terça-feira, 2 de outubro de 2007

39

Chegados à porta do apartamento, esperaram uns momentos que Ricardo a abrisse e entraram. Filipe soltou uma exclamação de surpresa.

– Ainda não tinhas cá vindo depois da reforma, pois não? Sabes como é, com a saída da Beatriz, não me apeteceu continuar a olhar para a mesma decoração todos os dias. Esta mudança foi providencial no que toca de esquecê-la. Acredita que não teria sido tão rápido se tivesse continuado a olhar para todos os objectos que faziam parte da nossa vida a dois – explicou Ricardo, continuando depois, sorridente: – Mas diz lá a verdade, ficou giro, não ficou?

– Sim, senhor, ficou muito bem! Contrataste um decorador?

– Qual quê!? – exclamou Ricardo, indignado. – Desenhei eu mesmo e escolhi eu os móveis! A única coisa que não foi feita por mim foi o trabalho propriamente dito, porque não tinha como carregar os móveis cá para cima. E, pronto, também não fui eu quem pintou as paredes.

– Sim, já sei da tua teoria de “cada macaco no seu galho”: tu não pintas paredes e os pintores não administram empresas. Acertei?

Ricardo sorriu:

– Nunca sei se estás a gozar-me ou se concordas comigo.

– Estou a gozar-te, claro! – respondeu Filipe e riram-se os dois. – Mas diz lá o que querias falar comigo, porque eu estou curiosíssimo e também preocupado. Nunca te vi tão apoquentado!

– Primeiro, deixa-me mostrar-te o resto do apartamento; também não tem assim tanto que se lhe diga, e depois sentamo-nos aqui e falamos, pode ser?

Filipe anuiu, pelo que viram rapidamente a nova decoração das quatro divisões que faltavam, incluindo o quarto-de-banho. Em cada uma, Filipe ia comentando o que via. Apreciou as paredes salmão do quarto de Ricardo (“mantiveste uma cama de casal, seu malandro”), o estilo moderno do escritório (“sabes que os ratos ópticos não funcionam sobre mesas de vidro? vais precisar dum tapete para o teu”), a mobília funcional da cozinha (“isto é mesmo mármore ou é a fingir?”; “é mesmo”), terminando, já de volta à sala, por dizer:

– Mas do que eu gosto mesmo é da vista. Ai, o que eu dava para morar em frente ao mar... E então que me querias?

– Senta-te, que eu explico.

Sentaram-se os dois nos sofás novos e Ricardo começou a falar.

– Sabes o Miguel?

– Sei, sim. Já não o vejo há uns tempos; que é feito dele?

– Por acaso, não anda muio bem. Vê lá tu que teve um acidente de carro e partiu-se todo, coitado.

Ricardo contou então por alto o acidente de Miguel e as suas consequências, fazendo o ponto da situação ao estado actual do amigo, mas tendo o cuidado de omitir as causas do mesmo. De qualquer forma, Filipe deu-se por satisfeito com a informação fornecida e não fez mais perguntas. Ricardo prosseguiu então:

– Agora vou puxar pela tua memória, já que a minha não dá para mais... Lembras-te daquela festa de Carnaval no Colégio, quando nós estávamos no décimo segundo?

– Sim, lembro-me, e, para começar, lembro-me de que não foi no Colégio... E também me lembro de por que é que tu não te lembras de mais nada... – os seus lábios contorceram-se num sorriso quase imperceptível à medida que dizia estas palavras.

– Sim, não foi no Colégio, isso ainda sei. O que eu já não sei é o que lá se passou e preciso de que me contes o que saibas a respeito do Miguel.

– Como assim? – estranhou Filipe.

– Oh pá! Indo directo ao ponto: o Miguel curtiu com alguém nessa noite?

– Que raio de pergunta, oh Ricardo! Que é que isso interessa agora, passados tantos anos?

– Interessa muito... Lembras-te da Freira?

Filipe mexeu-se no sofá ao ouvir falar da Freira:

– Oh, se lembro! Alguém esquece essa peça? – dito isto, riu-se, mas o seu risso soou algo desconfortável.

– E então?

– Então o quê?

– O Miguel e ela?...

– Para que queres saber isso agora?

– Porque é importante. Eles curtiram? – esta última pergunta saiu em voz mais alta do que Ricardo desejara.

Filipe estremeceu de novo no sofá, em parte devido à elevação da voz de Ricardo, em parte pelo desconforto que a pergunta lhe causava. Ainda que Ricardo fosse o melhor amigo de Miguel, contar-lhe o que sabia podia mudar muita coisa. “E daí, já passaram tantos anos, a reputação do Miguel já não vai ser prejudicada, como achávamos nós que seria nessa altura... Ai, estas loucuras de adolescente, e eu para aqui ainda todo preocupado em quebrar uma jura, que nem jura foi, a bem dizer, feita com dezassete anos!” Decidiu contar tudo:

– Mais do que isso: saíram juntos da festa e só Deus sabe o que fizeram a seguir. Quer dizer, além de Deus, a Freira também deve saber, porque estava mais ou menos sóbria, e na Quarta-feira seguinte, que foi quando as aulas recomeçaram depois do Carnaval, procurou o Miguel, achando que namoravam, ou coisa que o valha, mas ele, pelo visto, estava demasiado bêbado para se lembrar... – vendo a cara de Ricardo, reformulou: – Quer dizer, isto é o que eu suponho da junção dos factos. Mas cinjamo-nos a eles: o que é inegável é que o Miguel e a Freira saíram juntos da festa do Colégio, porque eu os vi, e mais não sei. O que sei depois foi o que o Miguel me contou a respeito dumas conversas que ele apelidou de estranhas da Freira na Quarta-feira seguinte a respeito de namorarem.

Nesse momento, Ricardo lembrou-se também de que Miguel lhe contara na altura qualquer coisa sobre esse assunto e que ambos se tinham rido do facto, pensando que Carla tinha pedido namoro a Miguel. O seu pensamento começou a divagar e já não estava a prestar atenção ao que Filipe dizia. Este apercebeu-se disso:

– Então? Estás com uma cara... O que se passa?

– Desculpa, estava aqui a pensar numas coisas... Mas dizes tu que viste o Miguel ir da festa com a Carla?

– Carla!? – estranhou Filipe.

– Sim, a Freira chama-se Carla. Não sabias?

– Não. Para mim sempre foi a Freira. Mas sim, vi.

– E depois o Miguel disse-te que ela foi falar com ele?

– Foi isso, estiveste atento ao que eu disse, parabéns – ironizou Filipe.

– E tu que lhe disseste?

– Hum... Isso faz-me voltar à festa. É que eu não fui o único a ver o Miguel.

– Ai não?

– Obviamente que não!

– Explica-me – pediu Ricardo.

1 comentário:

Anónimo disse...

olá olá!!
No ultimo fim de semana li a história do inicio ao fim, quase sem conseguir parar!!! Espero mais novidades e quem sabe um livro ;)