quinta-feira, 11 de outubro de 2007

42

Caiu um silêncio algo incómodo entre os dois. Filipe não sabia o que dizer e Ricardo estava mergulhado nos seus pensamentos. Lembrou-se do bilhete que escrevera a Carla no bar assinando com o nome de Miguel e viu que também isso encaixava: “Ela não lhe ligou porque não quer voltar a envolver-se com ele depois da história do Tomás.”

– Faz sentido.

– Que disseste? – indagou Filipe.

– Nada, nada! Estava aqui a pensar alto...

– Pois então, já que já fiz os meus estragos, acho que é a minha deixa para ir embora; a não ser que queiras que fique.

– Não, não é preciso, Filipe. Eu agora preciso mesmo dum tempo para pensar no que vou fazer à minha vida. Obrigado por tudo.

Levantaram-se e Ricardo acompanhou Filipe à porta do apartamento. Depois de Filipe sair, Ricardo correu ao telefone e marcou o número de Carla:

– Estou? Olá, Ricardo! – atendeu ela do outro lado, com voz jovial.

– Olá, Carla. Tens um tempo para mim hoje? – Ricardo esforçou-se por não deixar transparecer na voz o que lhe ia na alma.

– Hum... Depende de para que for... – notou-se uma certa marotice na sua voz.

– Para jantar é capaz de já estar um bocado em cima da hora... Tomamos um café depois? Onde tu quiseres – disse Ricardo rapidamente.

– Pode ser, mas escolhe tu o sítio.

– Então vou fazer-te uma surpresa...

Ricardo desligou então o telefone e foi para a cozinha preparar o jantar, mas a sua cabeça continuou na sala a ouvir as palavras de Filipe. “Eles saíram juntos da festa e só Deus sabe o que fizeram a seguir.“ Cortou-se enquanto preparava a salada. “Meu... estás metido numa embrulhada descomunal!” Queimou-se com a tampa da panela. “O que é que vais fazer, Ricardo?”

– Não sei! Não faço ideia do que fazer à minha vida!!!

Deu-se conta de que estava a gritar para os azulejos brancos rectangulares que cobriam as paredes da cozinha e deu-se também conta de que lhe cheirava a queimado:

– O bife! – exclamou, saltando para a frente do fogão. Apagou-o imediatamente e tirou a sertã de cima do disco, mas a perda era já total. Aborrecido e sem vontade de grelhar outro bife, saiu para jantar no restaurante da esquina.

Ricardo chamava-lhe o restaurante da esquina por nunca se lembrar do nome do estabelecimento e por este, de facto, ficar na esquina do prédio ao lado do seu. No mesmo ambiente em tons de vermelho serviam-se pratos da cozinha italiana e da argentina. O balcão, ao fundo, era de madeira castanha escura e tinha um empregado barbudo e não muito simpático, mas comia-se bem, rápido e barato, pelo que era uma boa alternativa para quando Ricardo não se sentia com vontade de cozinhar e não queria gastar muito tempo a jantar. As mesas eram quadradas e estavam cobertas com toalhas brancas. Apenas uma, para além daquela, junto à porta, onde Ricardo se sentou, estava ocupada, por um casal que ele reconheceu de se cruzarem no elevador do prédio onde todos moravam.

“Hoje em dia, é possível conhecer pessoas do outro lado do mundo, mas não conhecemos os nossos próprios vizinhos, que moram em frente a nós ou, no máximo, a um andar de distância. E, se os conhecemos, é sinal de que nos pegámos com eles por questões do condomínio. Assim vai a vida moderna...” Para afastar os pensamentos depressivos, Ricardo concentrou-se na ementa e acabou por pedir um bife igual ao que tentara cozinhar em casa. Depois de efectuar o pedido, continuou a olhar distraidamente para a ementa, mas a sua ideia estava de novo com Carla, donde saltitava periodicamente para Tomás e Miguel.

Depois de jantar, regressou a casa, trocou de roupa e eram horas de sair para ir ter com Carla. Ainda não tinha decidido o que ia dizer-lhe quando chegou à porta do seu prédio e tocou à campainha. Ela demorou pouco a descer e, mal abriu a porta, abraçou Ricardo e beijou-o intensamente.

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