quinta-feira, 27 de setembro de 2007

38

Atrapalhado com as suas próprias palavras, Ricardo encontrou a sua escapatória na entrada do Pai de Miguel na sala.

- Olá Tio! Como está? – disse Ricardo, levantando-se, assim que o Pai de Miguel entrou na sala.

- Olá Ricardo! Vai-se andando! Então, já meteste algum juízo na cabeça desse malandro? Imagina tu que diz que assim que começar a trabalhar vai voltar para casa dele.

- Papá, já tivemos esta conversa. Não vamos voltar ao mesmo assunto, por favor. Não me quero aborrecer. – disse Miguel, interrompendo o Pai, visivelmente desagradado com o eventual rumo que a conversa pudesse levar.

-Vá, vamos lá acalmar os ânimos e vamos almoçar. Não quero discussões, muito menos com o Ricardo cá em casa.- Disse a Mãe de Miguel para o Marido e para o Filho, dirigindo-se de seguida a Ricardo – Ai Filho, nem imaginas as saudades que eu tenho de quando vocês eram mais miúdos e faziam as vossas algazarras cá em casa. Tinha sempre a casa cheia de vida...

- Vá lá, Tia, não pense nisso. Nós crescemos, é normal que queiramos ter a nossa casa, o nosso espaço e conduzir a nossa vida. Qualquer dia, quando menos esperar, vai ser a algazarra dos netos que vai ter cá em casa. Vai ver. – e dizendo isto, Ricardo sentiu um aperto inesperado no peito. “Netos”, pensou para consigo mesmo, “Vamos lá ver se já não tem um e nem sabe”. Pensou em Carla e em Tomás, e sentiu vontade de fugir dali, ir ter com ela e esclarecer, de uma vez por todas, as dúvidas que o atormentavam. Mas sabia que não podia. E se aquilo fosse tudo uma grande e curiosa coincidência? E se Tomás não fosse filho de Miguel?

Ricardo passou todo o almoço perdido nos seus pensamentos. A certa altura, deu-se conta do olhar interrogativo de Miguel pousado em si. Desviou os olhos e percebeu que não poderia falar com ele. Não ainda.

Quando o almoço terminou, dirigiram-se todos, novamente, à sala de estar, para tomar café. Já num ambiente mais calmo, Miguel falou da vontade que tinha de voltar ao trabalho e da evolução do SOM, no qual havia aplicado grande parte do seu tempo de convalescença.

Embrenhado na conversa, que se havia tornado bastante agradável, Ricardo nem se deu conta quando o seu telemóvel começou a tocar. Ao pegar nele e ao ver o nome de Filipe a piscar no visor, Ricardo sentiu-se petrificar.

- Olá! Tudo bem contigo? Pensava que não ias cá estar até ao final da semana... – disse Ricardo a Filipe assim que atendeu a chamada.

- Olá! Comigo está tudo bem. Contigo é que parece que não... Era para ficar fora até sexta, mas consegui chegar a acordo com os tipos da empresa sueca mais rapidamente do que estava à espera, e consegui voltar mais cedo. Mas quando cheguei fiquei e ouvi a tua mensagem fiquei preocupado. O que é que se passa, meu?

- Falamos pessoalmente. Não é um assunto para falar por telefone. Como estás de tempo, hoje?

- Tenho o resto do dia e da noite livre. Ainda ninguém sabe que já voltei. Só te liguei porque me deixaste mesmo preocupado.

- Então podes encontrar-te comigo, daqui a meia hora, em minha casa?

- Poder posso, mas não se trabalha hoje? – perguntou-lhe Filipe, verdadeiramente preocupado pelo facto de Ricardo deixar o trabalho a meio da semana só para ter uma conversa.

- Isto é mais importante do que o trabalho. Então ficamos combinados assim. Daqui a meia hora encontramo-nos à porta de minha casa. Até já, um abraço. – depois de se despedir de Filipe, Ricardo despediu-se, também, de Miguel e dos seus Pais.

- Ficas a dever-me uma conversa... – relembrou-lhe Miguel.

- Descansa, que essa conversa vai chegar. – respondeu Ricardo, num tom enigmático, antes de sair e fechar a porta atrás de si.

Já a caminho de casa, Ricardo começou a pensar na melhor forma de perguntar ao amigo o que precisava de saber. Se tudo aquilo não passassem de meras coincidências, Filipe iria pensar que ele era doido. Teria de ter muito cuidado com as palavras.

Apanhou um trânsito inesperado, e quando chegou a casa já Filipe lá estava, à sua espera. Respirou fundo e saiu do carro.

- Bem, estás com uma cara... Parece que o mundo vai acabar. Afinal o que é que se passa, Ricardo?

- Vamos subir. Já te explico tudo. Mas, Filipe... esta conversa não pode, em hipótese alguma, sair das paredes da minha casa. Estamos entendidos?

Ao reparar no semblante carregado de Ricardo, Filipe anuiu e seguiu-o. Ou muito se enganava, ou aquela conversa era de extrema importância para Ricardo. Eram amigos há anos e nunca o havia visto daquela forma. Ficou verdadeiramente preocupado.

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