quinta-feira, 4 de outubro de 2007

40

– Oh Ricardo, não sejas anjinho. Então não te lembras do escândalo que foi o simples facto da Freira, que era sempre casa-escola-escola-casa, ter aparecido na festa!?A miúda foi o centro das atenções o tempo todo! Agora soma dois mais dois...

Não foi preciso Filipe dizer mais nada, pois Ricardo completou imediatamente o esquema que o amigo acabava de lhe traçar.

– Mas então, se toda a gente sabia, como é que o Miguel dizia que não se lembrava e ninguém lhe disse que era verdade, lembrando-se ele ou não?

– Agora, sim, fizeste a pergunta certa – respondeu-lhe Filipe. – Como te disse, o Miguel veio falar comigo contando-me o que a Freira...

– Carla – corrigiu Ricardo instintivamente.

– Para mim há-de sempre ser a Freira; nem sei como te lembraste agora de lhe chamar Carla. Mas adiante! O importante para a história é que, por sorte, quando o Miguel ia a sair com a Freira, ou Carla, ou o que quiseres chamar-lhe, houve dois tipos que se pegaram à pancada no meio da pista de dança; não me perguntes porquê, porque acho que nem na altura cheguei a saber (eu estava cá em cima, no varandim). No alvoroço de separá-los e acalmá-los (ou simplesmente observar, que já se sabe que nestas situações há sempre um bando de mirones prontos a espicaçar), o Miguel acabou por sair com a dita cuja relativamente despercebido. Acho que só nós – eu e a malta que estava comigo lá no andar de cima – é que demos conta e, logo a seguir, jurámos não contar nada a ninguém, para não prejudicar a fama do Miguel no Colégio.

– Fama!? – exclamou Ricardo.

– Sim, fama! Já viste o que aconteceria à reputação do Miguel no Colégio se se soubesse que ele tinha saído da discoteca com o camafeu da Freira, a quem, de resto, tinha sido ele o primeiro a dar esse nome!? Claro que hoje isto parece um disparate, mas pensa: para miúdos do Secundário, isto era um assunto gravíssimo!

– Sim, entendo o que queres dizer. Quer dizer que vocês fizeram tudo por abafar a coisa...

– Isso mesmo...

– E conseguiram! Nem eu, o melhor amigo dele, soube de nada...

– Nem ele, o principal implicado, soube de nada, queres tu dizer!

– Hã!? – exclamou Ricardo, intrigado. Filipe explicou:

– O Miguel estava bêbado e, pelo visto, não se lembrava de nada do que se tinha passado naquela noite; pelo menos, não do essencial. De modo que, quando a Freira foi ter com ele num intervalo no primeiro dia depois do feriado, ele não percebeu o que estava a passar-se e não entendeu a atitude dela. Quando ele me contou, eu associei logo tudo, mas também não lhe disse nada. Limitei-me a insinuar que era um pedido de namoro da Freira saído do nada e ele engoliu o isco que nem um peixinho...

– Porquê!? – interrompeu Ricardo.

– Já que ele não se lembrava, não valia a pena estar a remexer na lama, não achas? De modo que o assunto ficou por ali. Eu e a malta que estava comigo na festa e os viu nunca mais falámos nisso e o Miguel até hoje deve continuar sem se lembrar de nada e a achar que a Freira se atirou a ele descaradamente do nada. – Filipe calou-se por uns instantes, mas logo acrescentou: – Mas vamos lá a saber: para que querias saber isto tudo?

Ricardo embatucou. “Conto-lhe a verdade?”, questionou-se. Optou por desviar o assunto:

– De certeza que mais ninguém viu?

– Houve uns rumores no Colégio, mas nós também nos encarregamos de abafá-los. Na altura dissemos que ela lhe tinha pedido boleia e ele tinha dito que sim, ou vice-versa, eu sei lá. Sei que foi uma história mal amanhada, mas o certo é que pegou e a coisa morreu por ali. Mas ainda não respondeste à minha pergunta...

– Qual pergunta? – Ricardo fez-se de desentendido, embora soubesse que não podia continuar o jogo do gato e do rato com Filipe. Mas precisava de ganhar tempo. “Conto-lhe a verdade ou não?”

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