terça-feira, 4 de setembro de 2007

31

Após a saída de Tomás para ir experimentar a sua nova camisola, sobreveio um silêncio incómodo, que Carla cortou, tentando puxar um novo assunto depois da conversa que acabaram de ter:

– Papá, não imaginas como a notícia de que reassumirás o teu cargo me deixa contente! Eu sempre soube que ias dar a volta por cima e regressarias à empresa. Além do mais, eu não tenho jeito para aquilo. Ainda bem que não quis tirar Gestão; iria ser muito infeliz!

Acabando de dizer isto, Carla lembrou-se subitamente de Francisca e do seu convite para a festa do Colégio e lembrou-se também de que ficara de dar uma resposta à sua amiga até ao dia anterior. Aproveitando essa tábua de salvação para abandonar aquela situação constrangedora, pediu desculpa ao pai e dirigiu-se ao telefone, marcando o número de casa da amiga.

Quem atendeu foi António, o marido de Francisca. Carla estranhou-lhe a voz, pois era apenas a segunda vez que falavam e Carla nem o conhecia ainda pessoalmente – estavam casados há apenas quatro meses e Francisca e Carla ainda não tinham estado juntas depois disso, nem Carla fora ao casamento, por este ter calhado uns dias depois do trágico acidente que vitimara a sua mãe e os seus avós –, pelo que, a princípio, julgou que enganara no número. Após o primeiro momento de confusão, os dois interlocutores reconheceram-se e Carla pediu para chamar Francisca.

– Está?

– Olá, Francisca! Como estás?

– Bem, e tu?

– Também. Estou a ligar-te por causa da festa.

– Sim, sim! Sempre podes ir?

– Infelizmente, não, minha querida. Nessa altura estarei em Lisboa a tratar duns assuntos que lá deixei pendentes – mentiu Carla. – Desculpa não te ter avisado logo ontem, como te tinha prometido, mas foi um dia louco e acabei por esquecer-me. Não ficas zangada?

– Claro que não! – respondeu Francisca, mas Carla notou na sua voz um certo desapontamento e sentiu-se mal por isso.

Francisca foi a única amiga que Carla fez durante os três anos e meio em que frequentou o Colégio, a única que se aproximou de si quando todos os restantes colegas a punham de parte por causa da sua maneira de ser. A amizade entre as duas raparigas começou no dia em que Carla esteve doente e faltou às aulas. Ao fim da tarde, Francisca parou em sua casa para deixar ficar as fichas que os professores tinham distribuído nesse dia, bem como cópias dos apontamentos nos seus cadernos. Quando, no dia seguinte, já melhor da gripe, Carla regressou ao Colégio, correu a agradecer a Francisca e insistiu no convite para lanchar em sua casa depois das aulas. Francisca acabou por aceitar, sob o olhar atento do resto da turma, que não compreendia como alguém poderia querer lanchar em casa da Freira. A partir desse dia, as duas raparigas foram-se aproximando e descobrindo gostos e interesses comuns e maneiras de ser que, afinal, não eram tão distantes quanto poderia parecer e assim surgiu uma amizade que perdurou mesmo após a ida repentina de Carla para Lisboa. Esse foi um momento difícil na relação entre ambas, visto que Carla não pôde contar a história de Tomás e por que fugira para Lisboa à amiga e Francisca, a princípio, ressentiu-se disso. Porém, acabou por aceitar, embora sem compreender totalmente, a opção de Carla em manter segredo a respeito dos motivos que a levaram para Lisboa tão apressadamente e guardou as suas suspeitas sem nunca tentar confirmá-las, nem confrontando Carla directamente, nem indagando outras fontes; preferiu esperar que a amiga se decidisse ela mesma a contar-lhe a verdade. Quando Carla se mudou de novo para o Porto, Francisca foi a primeira pessoa a saber desse regresso e a amizade que as unia, entretanto arrefecida, como necessariamente acontece a duas pessoas que se encontram a trezentos quilómetros de distância, mas nem por isso enfraquecida, manteve-se com todo o seu vigor.

Por ser a melhor amiga de Carla no Porto – e uma das poucas do tempo do secundário –, sonegar a verdade a Francisca era imensamente custoso, mas tinha de ser. Quanto menos pessoas soubessem da verdadeira história de Tomás, melhor. Assim, as duas despediram-se e Carla desligou o telefone, acabrunhada.

O resto de Sábado e todo o dia de Domingo decorreram sem grande história. Segunda-feira de manhã, com um peso na alma, Margarida telefonou para o consultório do seu ginecologista e pediu para marcar uma consulta urgente. A telefonista informou-a de que só poderia marcar para daí a uma semana, pois antes disso o senhor doutor não tinha vaga, e perguntou-lhe se podia ser no dia vinte e quatro às quatro.

Margarida sobressaltou-se: se só fosse à consulta na data proposta, sobrava-lhe muito pouco tempo antes de findar o prazo!

– E não posso tentar a minha sorte antes? Pode ser que falte um doente...

– Sim, pode tentar. Venha depois de amanhã, então, que está marcada uma doente que tem um filho pequeno que volta e meia está doente e já não é a primeira vez que falta à consulta para ir com o filho para a Urgência.

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