terça-feira, 18 de setembro de 2007

35

No dia seguinte, Ricardo acordou pensando no que havia de dizer a Miguel, dando-se conta, pela primeira vez, do quão delicada era a sua situação. Por um lado, não tinha certezas e não via outra forma de conseguir clarificar tudo que não esperar por Filipe, mas, por outro, tudo era demasiada coincidência. Tentou lembrar-se melhor da festa do Colégio, mas tudo o que lhe veio à memória foram fragmentos distorcidos, pedaços de sons, cheiros e imagens daquilo que vivera e jurara nunca mais viver.

Recordou o último momento de lucidez, o Toni a chegar-se a si e a perguntar-lhe se já alguma vez tinha fumado ganza, ele a dizer que não e o Toni a perguntar se queria experimentar. A princípio, Ricardo recusara, mas o Toni insistira, dizendo que não se iria arrepender, e Ricardo acabara por aceitar.

– Como és maçarico, enrolo-to eu, mas depois lembra-me de te ensinar, que não sou o teu papá para te andar a fazer os charrinhos.

A princípio, fora como o Toni dissera que ia ser: a música tornara-se mais interessante e estava mesmo a convidar à dança, a sua cerveja parecia mais saborosa e a festa estava melhor e mais colorida do que nunca. As luzes da discoteca inebriavam-no e invadiam-no, dando-lhe uma sensação de invulnerabilidade. Sentia se bem e com uma imensa vontade de sorrir a toda a gente à sua volta, sorriso que rapidamente se tornou uma gargalhada incontrolável. Quanto mais ria, melhor se sentia consigo mesmo; naquele momento era o rei da festa e o dono do mundo. Apetecia-lhe comer e dançar, dançar e rir, rir e saltar, até ao primeiro arranco. Pouco depois, as luzes da discoteca cegavam-no enquanto procurava cambaleando o quarto de banho, as pessoas atravessavam-se no seu caminho olhando-o com ar ameaçador e Ricardo sentia-se vergar sob o seu peso. Gatinhou pelo meio da pista de dança durante uma eternidade até sentir uma mão a agarrar as costas da sua camisola. Não se lembrava do que se passara depois; a imagem seguinte era passada num cubículo azul debruçado sobre uma sanita pestilenta onde verteu pela boca as profundezas da sua alma, apagando-se a sua memória completamente até ao final da manhã do dia seguinte.

Acordara em casa da irmã mais velha do Toni, que já tinha os seus quase trinta e morava sozinha num apartamento em S. Mamede.

– Olá! Sentes-te bem, maçarico? – perguntara-lhe o Toni.

– Dói-me um bocado a cabeça, mas de resto estou bem. Onde estou?

– Descansa, estás em casa da minha mana mais velha; achei que o teus velhos não iam curtir ver te entrar em casa ganzado e todo podre a meio da noite.

– E não te preocupes que eu telefonei-lhes a avisar que ias dormir fora – acrescentara a irmã do Toni da ombreira da porta do quarto.

Ricardo desistiu de tentar lembrar o que quer que fosse sobre Miguel e Carla na festa do Colégio: “definitivamente, a única coisa de que me lembro daquela maldita noite é da porcaria do charro do Toni. Maldita a hora em que lhe disse que sim!”

Com este pensamento se levantou e foi para o quarto de banho. Arranjou-se, comeu uns cereais de chocolate como pequeno-almoço e saiu para o escritório. Ainda tinha uma manhã pela frente antes de almoçar com Miguel e já se sentia a perder a coragem.

Sem comentários: