quinta-feira, 20 de setembro de 2007

36

Aquele dia solarengo de Verão, em que nem uma só nuvem ofuscava o azul do céu, convidava a ir até à praia, mas Ricardo não podia fazê-lo, nem se sentia com disposição para tanto. Tinha optado pela mota, uma das suas paixões, para percorrer o caminho até ao seu escritório e ia serpenteando por entre os carros mal estacionados que abundam nas ruas e atrapalham o trânsito nas já de si estreitas ruas de Gaia. Chegou ao escritório à hora do costume, pouco passava das nove e meia, e dirigiu-se ao seu gabinete no sétimo andar. Dirigiu-se à janela, abriu-a e inspirou fundo. Espreitou lá para baixo e sentiu-se mais calmo, como se encontrar-se sete pisos acima do chão lhe desse mais segurança. Caminhou então para a secretária e sentou-se.

A secretária de Ricardo encontrava-se muito bem arrumada, sem um papel sequer fora do sítio; o pai sempre lhe dissera que ter a secretária cheia de papéis dispersos desordenadamente não é sinal de que se é muito importante ou se tem muito trabalho, mas sim de que não se é organizado, e isso nunca pode causar boa impressão nos clientes. Às vezes acrescentava que, numa empresa como a sua, a primeira impressão era importantíssima e que dar uma imagem de organização era meio caminho andado para conquistar a confiança do cliente.

Naquele dia, porém, não foi boa a impressão que Ricardo causou nos clientes. Por duas vezes se viu obrigado a pedir a um que repetisse o que estava a dizer, pois os seus pensamentos estavam longe dali. Pareceu-lhe que a manhã passou a voar, pois, quando olhou para o relógio, eram já horas de sair para ir ter com Miguel.

A manhã de Carla também passou a voar, mas a causa era outra. Sentia-se nas nuvens, depois do jantar do dia anterior com Ricardo. Apenas um pequeno senão ensombrava o seu estado de espírito: Ricardo era o melhor amigo de Miguel e Carla não queria imaginar qual seria a sua reacção ao saber da verdade sobre a paternidade de Tomás. Apesar de o sentir próximo, temia que tal facto pudesse afastá-lo de si e, o que era pior, que Ricardo contasse tudo a Miguel e isso pudesse levá-la a perder o seu filho. Decidiu, todavia, preocupar-se com essa questão mais tarde e deixar-se levar pelo momento, pois sentia-se feliz como já há muito não se sentia.

Depois de levar Tomás ao Colégio, telefonou a Francisca e convidou-a para se encontrar consigo:

– Já que não posso ir à festa e não te vejo há muito tempo, estava a pensar em ir fazer umas compras; nada de especial, só para sair, ver gente e pôr a conversa em dia. Que dizes?

– Acho uma óptima ideia, só que estou a trabalhar e não posso sair. Que tal à hora de almoço? Vens cá ter à Baixa e mostro-te um restaurantezinho que conheço por aqui que é de se lhe tirar o chapéu...

– Está combinado, então. A que horas?

– Eu saio à uma, por isso pode ser a essa hora. Sabes onde fica o meu emprego, não sabes?

– Não; dizes-me, por favor?

– É fácil!

Francisca explicou então a Carla como chegar ao seu local de trabalho, após o que se despediram e desligaram.

Mesmo sem a companhia da amiga, Carla foi para o centro comercial e aí passou o resto da manhã a passear. De cada vez que recordava o dia anterior, bailava-lhe nos lábios um sorriso e tinha vontade de cantar. Sentia que irradiava felicidade e que as outras pessoas com quem se cruzava, de certa forma, partilhavam consigo a sua felicidade. Passava mais ou menos meia hora do meio-dia quando Carla saiu do centro comercial para ir almoçar com Francisca.

Pouco antes de Carla sair do centro comercial, porém, já Ricardo tinha partido para casa de Miguel, não sem antes ir buscar o seu regador para dar de beber à planta que tinha no escritório. Depois disso, chamou o elevador, desceu até à cave e saiu do edifício montado na sua mota, seguindo em direcção ao Porto. A curiosidade era cada vez maior, mas o receio crescia ao mesmo ritmo. Não sabia como abordar o assunto sem ser forçado a revelar o seu envolvimento com Carla, o que não desejava, por um lado, por nem há dois meses e meio ter encorajado o amigo a aproximar-se dela, mas, sobretudo, por causa das respostas que poderia obter às suas perguntas. Tinha medo do que o seu melhor amigo pudesse dizer-lhe...

Ao chegar à Praça Mouzinho de Albuquerque, ou Rotunda da Boavista, como é carinhosamente conhecida pelos habitantes tripeiros, Ricardo parou num semáforo e viu alguém que já não via há muito tempo.

Sem comentários: