quinta-feira, 6 de setembro de 2007

32

Miguel estava de novo na sala, sentado no sofá em frente à televisão, rodando a sua aliança no dedo e olhando distraidamente para o ecrã do aparelho. De vez em quando, olhava para um bebé que brincava ali perto, até que se levantou e pegou nele. O bebé, como era seu hábito sempre que Miguel lhe pegava começou a chorar, mas desta vez Miguel estava determinado: levou o bebé para o quarto de banho, deitou‑o na banheira, fechou o ralo e abriu a água fria. A princípio, o bebé chorou mais alto e mais convulsivamente, mas, pouco a pouco, foi perdendo as forças à medida que a água subia e Miguel o mantinha deitado no fundo da banheira. Passados alguns minutos, o bebé estava totalmente coberto por água. Já não chorava; Miguel sentiu-se aliviado por segundos antes de a angústia sobrevir e o fazer acordar sobressaltado.

Há três semanas que não tinha aquele sonho; não percebia por que tinham as imagens que julgava para sempre desaparecidas da sua mente decidido voltar a torturar o seu sono e por que se haviam permitido desta vez ir mais longe do que foram todas as outras. Espreitou o seu relógio na mesinha de cabeceira; passava pouco das dez horas.

Ao mesmo tempo, Margarida acordava da anestesia:

– Como correu? – perguntou, ainda com a voz entaramelada, à enfermeira que se encontrava mais próximo de si.

– O senhor doutor já vem falar consigo – respondeu esta secamente.

Aquela terça-feira amanhecera cinzenta e chuvosa e assim continuara da parte da tarde e Ricardo sentia-se cinzento e triste como o tempo que fazia do lado de fora da janela do seu escritório.

“Nem parece que estamos na Primavera!”, pensou para consigo mesmo.

As dúvidas sobre a paternidade de Tomás assombravam-no desde a Sexta-feira anterior. Carla conhecia Miguel; haviam sido colegas de turma, mas isso poderia não querer dizer nada. Estava confuso, sem saber o que pensar ou o que sentir. Tudo aquilo lhe parecia demasiado estranho e seria uma assombrosa coincidência se as suas suspeitas se confirmassem. Tentou limpar a mente daqueles pensamentos, mas qualquer coisa o prendia à imagem de Carla. Ansiava por voltar a vê-la, mas sabia que não devia, pelo menos não naquele momento. Precisava de organizar as ideias e de falar com uma pessoa: Filipe podia ajudá-lo, mas estava fora de Portugal até ao final da semana seguinte, pelo que teria de esperar até ao seu regresso.

Não se deu conta de quando o seu telemóvel tocou. No visor piscava o número de casa dos pais de Miguel. Quando finalmente atendeu, ouviu do outro lado a voz da Mãe do amigo, que o informou de que Miguel teria alta do Hospital daí a quatro dias. Finalmente chegavam as boas notícias; estava mesmo a precisar delas! Agora tinha de pensar em como abordar o assunto com Miguel, para ele não desconfiar de nada. Precisava de ter certezas absolutas, mas tudo o que tinha naquele momento eram meras suspeitas, fortes e com algum fundamento, era certo, mas, ainda assim, apenas suspeitas.

Decidiu sair do escritório e ir a qualquer sítio. Não sabia bem onde, pelo que acabou sentado num banco dos Jardins do Palácio de Cristal. Era o seu refúgio, sempre que não tinha mais para onde ir. Já conhecia cada recanto de cor, mas nunca se cansava desse lugar mágico.

“Hei-de cá trazer a Carla”, pensou, e logo continuou: “Mas antes tenho de tirar a história do Tomás a limpo. As parecenças são gritantes.”

Como nada mais podia fazer para além de esperar, assim fez durante os dias que se seguiram, até que Segunda-feira chegou e, com ela, a alta de Miguel. Ricardo foi ter ao Hospital, onde já se encontravam os pais do amigo, e vieram até casa destes. Miguel estava radiante por poder finalmente sair do quarto onde estivera fechado durante um mês certinho.

1 comentário:

GMSMC disse...

Este episódio foi escrito em conjunto por mim e pela Maria.
Foi a primeira vez desde o lançamento do blogue que utilizámos este método.
Espero que gostem.
GMSMC