quinta-feira, 30 de agosto de 2007

30

Aquele sábado de Julho havia amanhecido frio e nublado. Com o céu a ameaçar chover a qualquer instante, Carla abraçou-se a si mesma e pensou no que se aproximava, sentindo, de seguida, um arrepio intenso que a assustou.

Andava a adiar aquela conversa desde o dia em que descobrira que estava grávida, mas tinha plena consciência de que não o podia fazer mais. Era imperativo contar a verdade ao Pai. E sabia que não seria uma conversa fácil, acima de tudo porque lhe havia mentido ao dizer-lhe que não se lembrava de nada do que havia acontecido naquela noite.

Quando o Pai chegou, Carla respirou fundo e pediu-lhe que se sentasse.

_ Papá, precisamos de ter uma conversa muito séria... Mas peço-te que me ouças até ao fim, sem interrupções, por favor. – pediu Carla ao Pai, em jeito de súplica.

Fernando anuiu, com a calma e a serenidade que faziam dele o homem de força e coragem que sempre havia sido toda a sua vida.

E então, num rasgo de coragem misturado com um desespero latente, Carla abriu a alma ao Pai e contou-lhe toda a verdade. Falou-lhe da festa. Falou-lhe dos olhos verdes e do sorriso malandro de Miguel. Falou-lhe da rivalidade que sempre existira entre ambos. Falou-lhe da alcunha que lhe havia dado. Falou-lhe do misto de emoções quando ele, naquela noite, pronunciou o seu nome. Contou-lhe, meio envergonhada e sem muitos detalhes, como tudo tinha acontecido, e como, no dia seguinte, Miguel não se lembrava de nada do que se havia passado entre ambos. Explicou-lhe, ainda, que, no dia seguinte, ao chegar ao Colégio, Miguel não se lembrava de nada do que havia acontecido. Falou-lhe ainda do desespero que senti ra ao descobrir que estava grávida, e da necessidade de mentir e dizer que não revelar a identidade do Pai de Tomás. Falou ainda do reencontro com Miguel naquele Bar, e no bilhete que ele lhe havia feito chegar pelas mãos do Barman, e que, dias depois, deitara fora. Falou-lhe da assustadora coincidência de ter sofrido aquele acidente com Ricardo e de este ser nem mais nem menos do que o melhor amigo de Miguel. Falou-lhe ainda do que começava a sentir por Ricardo e da assustadora verdade nas suas palavras da noite anterior. Por fim revelou-lhe o seu mais intimo receio – que Miguel soubesse que era Pai de Tomás e quisesse tomá-lo de si.

Quando acabou de falar, Carla esperou que o Pai dissesse alguma coisa. E aqueles trinta segundos em que o Pai manteve o seu silêncio sepulcral pareceram-lhe uma eternidade.

- Minha Filha, olho para ti e vejo a mulher forte que tanto admiro e a menina frágil e perdida que com 16 anos engravidou. Achas mesmo que durante todos estes anos nem eu nem a tua Mãe iríamos fazer o que quer que fosse para saber quem era o Pai do nosso neto? Subestimaste-nos, minha querida. Levou algum tempo, cerca de dois meses e meio, a descobrir toda a verdade, mas chegamos lá. Nunca te contamos porque sabíamos que isso ia fazer-te mal. Éramos teus Pais e queríamos-te feliz. É certo que nos entristecia a tua falta de confiança em nós, mas fomos capazes de compreender os teus “porquês”, e de proteger os dois bens mais precioso que tínhamos – tu e o Tomás. – disse-lhe o Pai, contra todas a expectativas. Carla jamais seria capaz de imaginar aquilo que acabar de ouvir da boca do Pai.

- Mas, se vocês sempre souberam, porque é que permitiram que o Eduardo assumisse a paternidade do Tomás?

- Para vos proteger aos dois. Não entendes? Se o Tomás fosse registado com pai desconhecido haveria lugar a uma averiguação oficiosa de paternidade, e a verdade que tu tanto temias acabaria por vir ao de cima. Informei-me junto dos nossos Advogados, e eu e a tua Mãe chegamos à conclusão de que a melhor solução seria aquela, e não outra.

- Percebo... Então vocês sempre souberam que eu... que eu... vos menti... – disse Carla com o último fio de voz que lhe restava.

- Sempre soubemos, mas sempre percebemos. Talvez se estivéssemos no teu lugar fizéssemos o mesmo. A tua “mentira” foi para proteger o teu Filho. E essa foi a maior prova de amor por ele que tu alguma vez deste. Aquela e esta, agora. Não te importaste com aquilo que eu pudesse pensar de ti. Não te importaram os meus julgamentos ou as minhas reacções. Como uma boa Mãe que foste desde o momento que descobriste que estavas grávida, o teu primeiro instinto foi proteger o teu Filho. E perante isso, não há julgamento algum que possa ser feito.

Rendida perante os argumentos do Pai, Carla deixou pender os braços ao longo do corpo, deixando-se cair, em seguida, num poltrona que estava mesmo ao seu lado.

- E agora, Papá? O que é que eu faço com o Ricardo? E se ele descobre que o Tomás é filho do melhor amigo dele? E se o Miguel descobre toda a verdade? Eu não quero perder o meu Filho. Não quero.

- Vamos lá ter calma. O primeiro passo é eu reassumir o meu cargo. Já chega de ter pena de mim mesmo. Tenho uma Filha e um Neto que amo muito e que precisam de mim. Volto à empresa na segunda. Quanto ao resto não podemos precipitar-nos. Vamos ver como as coisas acontecem e depois logo decidimos o que fazer. Entretanto quero conhecer esse Ricardo...

Nisto, Tomás irrompeu pela sala, e saltou de imediato para o colo do Avô.

- Vôzinho, estava cheio de saudades suas! – disse o Menino num tom meigo e sincero.

Ao ver o embrulho que o Avô lhe estendia, os olhos de Tomás brilharam. Num ápice rasgou o embrulho, e o seu rosto encheu-se de alegria quando viu o que lá estava dentro.

- A camisola nova do Benfica!!! Obrigada Vôzinho, vou já vestir. – disse, saltando de seguida para o chão. No corredor ouviu-se a sua voz chamar por Elisa, mas logo se calou.

Até nisso era igual ao Pai, na paixão pelo futebol e pelo Benfica – o clube do coração de ambos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Boas! Conseguiste fazer-me lacrimejar com este capítulo... adoro cada vez mais a história e acho que tens aqui uma fã ferrenha.
A do Benfica é que não teve muita graça...
Bem hajas, bom trabalho para os próximos!

Maria disse...

Alex - Fico contente por saber que a nossa história continua a prender-te dessa forma tão intensa. Não era, de todo, minha intenção fazel alguém lacrimejar, mas é muito bom saber que o consegui fazer!

A questão do Benfica, por mais estranho que possa parecer, não teve nada a ver com o facto de eu ser Benfiquista...

Beijinhos,

Maria

B disse...

Pois realmente... Não havia necessidade de ter "estragado" um bom episódio...

Questões futebolisticas à parte: está muito bom. Como aliás têm sido todos os restantes episódios. Parabéns

Espero é que pelo menos alguém nesta história tenha juizo e seja do FCP!! ;)