terça-feira, 14 de agosto de 2007

25

Margarida chegou ao café pontualmente, deu uma espreitadela e voltou a sair, sentando-se na esplanada praticamente vazia. Ele ainda não tinha chegado e ao seu lado apenas uma mesa estava ocupada com três clientes com todo o aspecto de serem orientais – japoneses, talvez. Pegou numa revista e começou a ler, mas não estava verdadeiramente concentrada: Miguel não lhe saía da cabeça. Recordou, uma vez mais, a conversa que tiveram dois dias antes, a forma como Miguel a mandara embora do Hospital e da sua vida e sentiu-se só como nunca se sentira. Tentou afastar estes pensamentos e concentrar-se na leitura:

“A física aplicada à vida quotidiana produz resultados espantosos. Por exemplo, uma das leis de Newton, a lei da acção-reacção, diz que toda a força aplicada sobre um corpo desencadeia outra da mesma intensidade mas de sentido oposto. Aplicada às relações humanas, cada acção que exercemos sobre o próximo, aqui entendido como a pessoa que connosco se relaciona, desencadeia nele uma reacção de igual intensidade, mas de sentido oposto. Contudo, no caso do Homem, nem sempre a intensidade da reacção é igual”, dizia a cronista na sua coluna. Margarida pousou novamente a revista e fechou os olhos, meditando sobre o que acabara de ler.

Não teve, porém, muito tempo para meditar, porque entretanto a esplanada entrou em rebuliço. Sem que Margarida tivesse dado conta, outro cliente tinha ocupado uma mesa na esplanada e pedido um café em chávena escaldada. Quando o empregado do café, vestido na sua farda branca com botões dourados, lhe trouxe o pedido, trouxe também a conta:

‒ Um euro e vinte, por favor.

‒ Como!? – exclamou o cliente, que estava vestido com uma fato cinzento já gasto e usava barba com aspecto pouco lavado (Margarida pensou para si que o cliente ou era artista – um desses preconceitos que levam a ver o mundo da arte como tendente a contrariar as normas sociais, nomeadamente no que ao vestuário diz respeito – ou não era cliente nenhum e estava ali apenas para tentar conseguir um café sem pagar).

Margarida não conseguiu ouvir a resposta do empregado, mas apenas a explicação, já um pouco exaltada, do homem do fato cinzento:

‒ Não pago nada; eu sou um cliente habitual e você já devia conhecer-me, por isso não tenho nada que pagar!

O empregado do café retorquiu:

‒ O senhor desculpe, mas esta é a regra da casa: na esplanada, o serviço é pago no acto; eu não posso fazer doutra maneira.

‒ Eu ainda estou à espera dum amigo meu, que ficou de encontrar-se comigo aqui, por isso não vou pagar nada até ele chegar.

‒ Desculpe, mas tem de pagar – afirmou o empregado peremptoriamente; no seu tom de voz notava-se que já estava a ficar desagradado com a situação.

‒ Tenho de pagar o quê? Tenho de pagar o quê!? – gritou o cliente, levantando-se, e, sem aviso, deu uma bofetada na cara do empregado, que se desequilibrou para trás e deixou cair o tabuleiro, derrubando tudo o que estava em cima da mesa onde se encontravam os japoneses, que se levantaram e debandaram, deixando para trás uma nota de cinco euros sem se preocuparem em receber o troco.

Os copos e as garrafas partiram-se em mil bocadinhos ao caírem sobre o chão de pedra cinzenta, fazendo um alarido que alertou os empregados no interior do café, que foram chamar o gerente. Entretanto, um senhor que ia a passar na rua, vendo a situação, agarrou o homem do fato cinzento quando este se preparava para atacar novamente o combalido empregado, que apenas repetia incessantemente:

‒ Ele agrediu-me! Ele agrediu-me! Olhem para isto! – mostrava o casaco branco sem botões, pois tinham sido todos arrancados durante a refrega. – Ele agrediu-me!

Enquanto isso, o homem do fato cinzento ia dizendo imprecações contra o empregado:

‒ Eu venho aqui há mais anos do que esse garoto aqui trabalha e vem ele agora dizer-me que eu tenho de pagar!? – Virou-se então para o gerente, que vinha afogueado: ‒ Este miúdo não me atende mais! Ou o despedem, ou eu não venho cá mais; a opção é vossa!

O gerente tentou acalmar o cliente, mas este, ainda exaltado, apenas repetia a mesma frase – não venho cá mais enquanto ele cá estiver. Aproveitando o facto de ter de novo liberdade total de movimentos, foi atrás do empregado e deu-lhe mais um pontapé. Este ia responder na mesma moeda, mas valeram os clientes que se encontravam no interior do café para os segurarem.

O gerente mandou o empregado para dentro e, depois de ter falado mais um pouco com o cliente, voltou também para o seu posto e o homem do fato cinzento ficou por ali sozinho, de pé, a cirandar, ainda irritado. Porém, passado um pouco, sentou se de novo no mesmo lugar e pediu um novo café em chávena escaldada, tendo o cuidado de acrescentar para a empregada que entretanto substituíra o primeiro (este estava agora atrás do balcão a limpar copos):

‒ Este já está pago!

Margarida assistiu a toda esta cena pregada ao seu lugar. Poucos minutos depois, Mário chegou:

‒ Desculpa o atraso, querida.

Beijaram-se e Margarida disse:

‒ Já foste castigado pelo atraso: perdeste uma cena que não se vê todos os dias.

‒ O quê?

Margarida contou então abreviadamente o que acabara de presenciar.

‒ E dos chineses, nem sinal… – concluiu no final da história.

Mário não reagiu; disse apenas:

‒ Margarida, precisamos de conversar.

Ao mesmo tempo, Miguel acordava estremunhado no hospital:

‒ Não! Outra vez o mesmo sonho!

5 comentários:

GMSMC disse...

As minhas desculpas pelo atraso, mas estive sem Internet até hoje, embora o episódio já estivesse pronto desde Sábado passado (isto para explicar por que a Maria não escreveu na minha vez).

B disse...

Estás desculpado... aliás eu até pensava que o CHI estava de férias. Mas será que nem nas férias tu vais descansar um pouco??

Anónimo disse...

Tás perdoado, podes voltar! eheheh..
Mas... não tou a perceber nada... esta luta entre cliente e empregado não vem nada prá história - a propósito: quem era o cliente??? Aqui há gato!
Ansiosa pelo próximo capítulo!
Bjos aos dois, bom trabalho! Alex

GMSMC disse...

Bárbara,

O "CHI" não fecha para férias. Quem corre por gosto não cansa e, para nós, escrever é uma corrida que fazemos por puro gosto. Espero que te divirtas tanto a ler como nós a escrever.

Beijinhos,
GMSMC

GMSMC disse...

Alex,

Às vezes é preciso fazer uma pausa na narrativa principal e divagar um bocado, pois as nossas personagens levam uma vida comum, onde estes perpécias acontecem. No entanto, quem sabe se duma situação inicialmente anódina não nasce algo importante para o desenrolar da história?

Beijinhos,
GMSMC