Miguel soergueu-se na cama, mas logo voltou a deitar-se, por causa das dores. Era a terceira vez em três dias que tinha o mesmo sonho. “O que está a passar-se comigo?”, interrogou-se. Não conseguia compreender por que motivo o filho de Margarida se intrometia no seu sono; muito menos porquê daquela forma. “Não sou um assassino!” Não havia dúvidas: estar preso no hospital estava a começar a afectar-lhe o juízo. Infelizmente, tinha ainda pela frente um longo mês deitado na mesma cama, segundo lhe tinha dito o médico que o operara. “Se ao menos tivesse aqui os meus pais…”
Como por magia, as suas preces pareceram ter sido ouvidas, porque nesse momento a porta abriu-se para deixar entrar primeiro a mãe e depois o pai de Miguel. Disse-lhe aquela:
‒ Então, meu querido, como estás hoje?
‒ Igual a ontem, deitado aqui esparramado nesta cama prestes a enlouquecer. – queixou-se, deixando escapar todo o seu azedume. ‒ Trouxe-me o jornal?
‒ Claro, meu querido! – exclamou a mãe, e estendeu-lhe um jornal enrolado e atado com uma fita plástica.
‒ Obrigado. Posso pedir outra coisa?
‒ Diz, meu querido!
‒ Dava para me trazerem uma televisão para aqui? Este raio de hospital é uma pasmaceira que só visto…
‒ Acho que podemos fazer isso. E o teu portátil, também o queres? – lembrou o pai.
‒ Ora aí está uma boa ideia. Como foi que não me lembrei disso antes!? Obrigado, Papá! – Miguel sorriu pela primeira vez nos últimos dias ao pensar no seu adorado computador. – Vou ocupar-me do SOM; vai sair daqui pronto!
Miguel sentiu a excitação crescer dentro de si enquanto pensava no seu sistema operativo e no trabalho que ainda tinha pela frente; era nestas alturas que se sentia certo de que escolhera o curso certo. Porém, uma dúvida surgiu a enevoar-lhe o horizonte: como mexer no computador com um braço partido? Porém, a dúvida logo se dissipou: “Uso só um braço; vai demorar mais, mas serve. Também não tenho pressa.”
‒ Que bom ver-te assim animado! – a mãe acariciou-lhe a cabeça, passando a mão pelos cabelos. – Como estás das dores?
‒ Mais ou menos o mesmo. Não posso sentar-me nem virar-me, e agora dói-me o rabo de estar sempre na mesma posição.
‒ Vais ver que não tarda já estás bom outra vez! – animou-o o pai.
‒ Quem me dera… – suspirou Miguel. – Estou tão aborrecido de estar aqui…
‒ Já não dirás isso quando te trouxermos o computador, que eu bem te conheço – disse-lhe a mãe em tom de brincadeira.
Miguel corou um pouco. Era verdade que o computador conseguia captar a sua atenção por inteiro; várias vezes Margarida se queixara de que o computador lhe merecia mais atenção do que ela, e ele reconhecia‑lhe alguma justiça nessa acusação. Mas não queria agora pensar em Margarida, nem no filho dela. Não foi contudo a tempo de ocultar Margarida do olhar da mãe, que lhe perguntou directamente:
‒ Estás a pensar nela, não estás?
‒ Sim…
Miguel recordou o sonho que vinha tendo, aquele sonho que o atormentava recorrentemente há três dias. Durante um momento ponderou falar sobre isso aos pais, mas optou por mudar de assunto:
‒ E então, contem-me coisas do mundo lá fora, que o jornal só traz notícias enfadonhas de muito longe. Que é que se tem passado na nossa bela rua?
‒ Olha, está tudo na mesma. Há dias partiram a montra da loja da florista da esquina, mas nem sei se roubaram alguma coisa.
‒ E do carro, há novidades?
‒ Parece que não tem reparação possível – respondeu-lhe o pai.
‒ O meu carrinho…
Ficaram os três em silêncio e Miguel olhou pela janela. Gostava imenso do seu carro, sobretudo pelas recordações que lhe trazia, muitas delas ligadas a Margarida e aos passeios que costumavam dar juntos…
‒ Estava na hora de mudar de carro – afirmou determinado.
Os pais estranharam a súbita reacção à perda do carro, mas não disseram nada. Dalguma forma, perceberam que tinha a ver com Margarida e não quiseram forçar o filho a pensar nela de novo.
2 comentários:
Quem é vivo sempre aparece... :)
A vossa história continua demais! Parabéns aos dois... Estou ansiosa por um novo encontro entre o Ricardo e a Carla... E mais ainda sobre um reencontro entre o Miguel e a Carla. Todos estes encontros e desencontros ilustram bem o quanto a vida nos a rouba vida para nos dar vida. Continuem. Um beijo para os dois.
Querida Sonhadora,
Tanto eu como a Maria temos as nossas obrigações profissionais, que vêm necessariamente em primeiro lugar, o que significa que, ocasionalmente, não conseguimos alternar devidamente e um de nós tem de escrever mais do que um episódio de cada vez. Porém, o peso relativo de cada um de nós no todo da história continua muito perto dos cinquenta por cento para cada lado, como era nosso objectivo no início.
A Carla e o Ricardo já se reencontraram, com visíveis repercussões. Já a Carla e o Miguel... Será que voltam a encontrar-se? A questão é: estará Carla disposta a correr o risco?
Obrigado por ires aparecendo e continua a deixar-nos os teus comentários.
Beijinhos,
GMSMC
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