quinta-feira, 2 de agosto de 2007

22

Ricardo olhou-a e percebeu que algo a incomodava. Era como se quisesse dizer alguma coisa, mas não soubesse como o fazer. No entanto, quando percebeu que Ricardo a olhava com ar interrogativo, Carla sorriu. Era um facto que queria saber de Miguel, mas, ao mesmo tempo, não queria estragar o momento a falar de alguém que iria, mais cedo ou mais tarde, provocar outra alteração significativa na sua vida.

- Sabe, Ricardo, tenho pena do seu amigo e do que lhe aconteceu. Mas parece-me que quem não está bem é o Ricardo. Bastou-me olhar para si para o perceber. Não me pergunte porquê, mas percebi-o. E aquele telefonema de há pouco acabou consigo... Se quiser ir embora, eu percebo. – disse Carla, sem pensar bem no que estava a dizer.

Ricardo estendeu a sua mão por cima da mesa e segurou a de Carla, dizendo-lhe em seguida:

- Não Carla, vamos ficar mais um pouco. É verdade que não estou a sentir-me muito bem. Foi o acidente do meu amigo, provocado pelo facto de a ex-namorada dele estar grávida de outro. São as discussões com a minha ex-namorada que, apesar de ter sido ela a acabar tudo, continua a tentar controlar a minha vida. É o trabalho e o peso de ter de assumir um negócio de família que se revelou de uma dimensão bem maior do que eu imaginava. E é a falta de tempo para mim, e para ter uma vida. – retorquiu Ricardo, de uma vez só.

Carla sentiu o calor da mão de Ricardo pousada sobre a sua e deixou-se ficar. A mão de Ricardo era suave e quente. Mas o contacto foi subitamente interrompido pelo som estridente de um telemóvel. Desta vez era o de Carla que tocava freneticamente dentro da mala. Quando viu que o número que piscava no visor era o de sua casa apressou-se a atender.

- Sim? Elisa? Está tudo bem com o Tomás? – Perguntou Carla assim que atendeu a chamada.

- O menino Tomás está cheio de febre, e o medicamento que o médico receitou para estas febres do menino não fez efeito. Já é tarde e eu não sabia o que fazer. – respondeu-lhe Elisa com um tom claramente assustado.

- Eu vou já para casa, não se preocupe. – respondeu Carla, desligando o telemóvel.

- O que se passa, Carla? – perguntou-lhe Ricardo, num tom preocupado.

- O meu Filho está a arder em febre. Tenho de ir para casa. Desculpe, Ricardo. Combinamos qualquer coisa noutro dia.

- Eu vou consigo. E nem vale a pena dizer que não. Não vou deixá-la sozinha neste momento. Vamos no meu carro e eu depois arranjo alguém que venha buscar o seu. Não está em condições de conduzir. – disse Ricardo peremptoriamente.

Sem reclamar, Carla aceitou a disponibilidade de Ricardo e depois deste pagar a conta, dirigiram-se ao seu carro.

Num instante chegaram ao destino. Mas entraram em casa de Carla, esta dirigiu-se ao quarto do Filho, que ardia em febre. Ricardo seguiu-a, entrando depois dela no quarto de Tomás. Ao olhar o menino, Ricardo ficou com a sensação de já o ter visto nalgum lugar. Só não sabia de onde.

Carla, desesperada por não conseguir baixar a febre do Filho de forma alguma, resolvera chamar um médico, e Ricardo lembrara-se de telefonar ao seu Primo Lourenço, que era médico. Em menos de meia hora Lourenço estava a entrar em casa de Carla para observar Tomás. Depois de examinar o menino, Lourenço prescreveu alguns medicamentos que precisava de ser administrados o mais rapidamente possível.

Ricardo deixou a casa de Carla com Lourenço, para irem buscar o carro de Carla e para, no caminho, procurarem uma farmácia de serviço. Pouco depois já Tomás tinha tomado os medicamentos. Depois de esperarem a hora indicada pelo médico para que a febre começasse a baixar, o termómetro mostrou que a febre começava, efectivamente, a ceder.

Com a descida da febre, Tomás acalmou e acabou por adormecer. Só depois de ter a certeza de que o Filho dormir é que Carla deixou o seu quarto, acompanhada por Ricardo. Dirigiram-se para a sala, e já aí, Carla não aguentou a pressão e libertou as lágrimas que há horas lhe queimavam os olhos. Ricardo envolveu-a nos seus braços com suavidade e acalmou-a até que as lágrimas cessassem.

No momento em que as lágrimas de Carla começaram a secar, olharam-se de uma forma muito intensa e terna. Por breves instantes Carla julgou que Ricardo se preparava para a beijar. Mas, e contra todas as expectativas, Ricardo apenas encostou os seus lábios na testa de Carla, e voltou a deixá-la descansar a cabeça no seu ombro.

Nem Carla nem Ricardo estavam à espera que qualquer uma daquelas coisas acontecesse. Quem diria que um simples café numa esplanada do Cubo se transformasse no que se transformou. Carla nunca imaginaria Ricardo a ter aquele trabalho todo por sua causa, muito menos por causa de Tomás. E Ricardo jamais se imaginara a dar-se a todo aquele trabalho por causa de uma mulher que ainda mal conhecia, e por causa do filho dela. No entanto, a verdade, é que ambos sentiam que tudo aquilo fazia muito sentido, mesmo que não soubessem nem como nem porquê.

Despediram-se passado algum tempo, e Ricardo prometeu ligar no dia seguinte para saber como estavam Mãe e Filho. Ao chegar ao carro voltou a pensar em Tomás. Aquele menino era-lhe demasiado familiar. Mas como??? Não percebia, mas sabia que iria acabar por descobrir.

De repente lembrou-se do telefonema de Margarida. E, intrigado, pensou que no dia seguinte saberia o que ela tinha para lhe dizer.

Esquecendo tudo, por breves instantes, ligou o carro e foi para casa. Estava mesmo a precisar de descansar.

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