quinta-feira, 23 de agosto de 2007

28

Fechou os olhos e recostou-se no sofá do escritório. Precisava daquele momento de pausa antes do jantar. Ricardo deveria estar quase a chegar e Tomás estava numa agitação fora do comum.

Sentia-se física e psicologicamente cansada. Não sabia o que esperar daquele jantar. Falara com Ricardo duas ou três vezes durante a semana e notara-o diferente. Aquele momento, naquela noite em que o susto da febre de Tomás tinha tomado conta dos dois, havia sido intenso demais. Repentino demais. E sabia, por experiência própria, que nada que fosse repentino daria bom resultado. Existiam obstáculos demais entre os dois. Mas a verdade era que naquela noite, enquanto Ricardo a abraçava, havia desejado, mais do que devia, que aquele beijo tivesse acontecido de verdade. Fechou os olhos com mais força, numa tentativa vã de apagar aqueles pensamentos da sua mente. Ricardo era impossível. E quando ele soubesse da verdade, iria afastar-se de imediato. Afinal, Miguel era, ainda, o seu melhor amigo. E contra isso não poderia lutar.

Recordou-se da conversa com Eduardo e Leonor. E percebeu, que antes que fosse tarde demais, teria de revelar toda a verdade ao Pai. Ele saberia, com toda a certeza, ajudá-la da melhor maneira possível.

Um leve bater na porta do escritório fez Carla regressar à realidade. Era Elisa a anunciar a chegada de Ricardo. De tão embrenhada nos seus próprios pensamentos que se encontrava, nem escutou a campainha tocar.

- Obrigada, Elisa. Diga ao Dr. Ricardo que em cinco minutos estarei na sala. O Tomás já está mais calmo? – perguntou, por fim, a Elisa.

- Já sim, Menina. Mas foi difícil. – respondeu-lhe Elisa, saindo de seguida.

Depois de respirar fundo, Carla saiu do escritório ao encontro de Ricardo. Quando chegou à porta da sala não foi capaz de entrar. A cena que presenciou fê-la sentir um aperto imenso no peito. Tomás estava sentado ao colo de Ricardo, e os dois pareciam entender-se muito bem. Ricardo falava e Tomás parecia gravar cada palavra na sua mente, como se não quisesse deixar escapar uma que fosse. De repente, ambos perceberam a sua presença. Enquanto Tomás saltava do colo de Ricardo para abraçar a Mãe, este levantava-se do sofá e presenteava Carla com um sorriso discreto, mas meigo. Por momentos, Carla sentiu-se, mais uma vez em perigo. A cena que acabara de presenciar tinha tido em si o efeito de uma descarga eléctrica. Aquele homem estava a tornar-se importante na sua vida, sem que ela conseguisse entender o porquê , e até Tomás parecia gostar muito dele. Na verdade pareciam gostar bastante um do outro. Mas isso poderia ser só impressão sua.

Durante o jantar, Ricardo puxara o assunto do Colégio. Carla, a contra-gosto, acabara por revelar-lhe em que Colégio tinha andado, e confirmava-se que ambos haviam frequentado o mesmo Colégio.

- Então a Carla deve conhecer o Miguel Lopes Menezes? Ele era do seu ano. – perguntou-lhe Ricardo.

- Sim, conheço. Ele era da mesma turma que eu. – respondeu-lhe Carla incomodada.

Ricardo, que percebera o incómodo de Carla, ainda referiu o nome de Miguel mais algumas vezes durante o jantar, numa atitude que, claramente, havia aumentado o desconforto da sua interlocutora. As suas suspeitas começavam a ganhar contornos mais definidos. De repente, como se uma luz se acendesse na sua mente, Ricardo recordou-se da “Freira”, e então tudo fez um novo sentido. Carla havia abandonado o Colégio por altura das férias da Páscoa, pouco mais de um mês depois daquela malfadada festa de Carnaval. Não podia ser. Mas parecia tudo tão evidente, naquele momento, na sua mente.

Os pensamentos de Ricardo haviam sido interrompidos por Tomás.

- És amigo da Mamã, ou és namorado dela? – perguntara Tomás, com a ingenuidade característica das crianças inocentes.

- Tomás! Isso é pergunta que se faça? – repreendeu-o Carla, atrapalhada com a pergunta do Filho. – Não lhe ligue, Ricardo. Ele não sabe o que diz.

- Sei, sei. – respondeu Tomás – Se o Tio Ricardo for teu namorado vai ser meu Papá. E eu gostava. Porque os outros meninos têm e eu não.

Carla notara a tristeza que, naquele momento, ensombrara os olhos do Filho e sentiu o coração ficar pequenino dentro do peito. Ricardo também percebera, e por isso respondeu-lhe prontamente.

- Por enquanto sou só amigo da tua Mamã, mas nunca se sabe se não serei namorado, um dia.

Carla olhara Ricardo com um misto de surpresa e desagrado. Não era correcto que ele dissesse aquelas coisas a Tomás.

- Vá Tomás, está na hora de ir dormir. – disse-lhe Carla, num tom mais forte do que o normal.

Perante a forma como a Mãe falara, Tomás nem sequer havia pensado em pedir para ficar mais um pouco. Despediu-se da Mãe e de Ricardo com o habitual beijinho de boa noite, e deixou-se levar para o quarto por Elisa.

Depois de ficarem sozinhos, Carla quebrou o silêncio.

- Não devia ter-lhe dito aquilo. Ele agora vai ficar cheio de ilusões a seu respeito, Ricardo. E isso não é justo...

- Por que não? Todas as crianças merecem ter um Pai. Por que não eu? Não sei o que se passa comigo, connosco... Mas a verdade é que ambos sabemos que mais tarde ou mais cedo não seremos capazes de controlar isto que há entre nós. Carla, olhe para mim.

- Não, Ricardo, não pode ser... – e sem mais explicações virou-lhe as costas e dirigiu-se à varanda.

Ricardo seguiu-a.

- Amanhã falamos, Carla. Mas este assunto não terminou aqui. E ambos sabemos perfeitamente disso. – e dizendo isto, deu-lhe um beijo na testa e saiu.

Enquanto Carla se havia dirigido ao quarto do Filho para lhe dar mais um beijo de boa noite, Ricardo, já sentado ao volante do carro pensava para consigo mesmo – “Eles conhecem-se mesmo. Tenho de saber a verdade...”

A alguns quilómetros dali, Margarida acabava de tomar uma decisão. Talvez a mais importante que até então havia tomado, em toda a sua vida.

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