terça-feira, 28 de agosto de 2007

29

O dia tinha sido passado mergulhado em pensamentos contraditórios que se sucediam uns aos outros a uma velocidade vertiginosa, entrecortados por tentativas tão erráticas como infrutíferas de afastá-los e de se concentrar noutra coisa. Queria estudar e não conseguia; queria sair e não tinha vontade. Assim tinha sido também o dia anterior, desde a conversa com Mário, logo de manhã na esplanada do café. Depois da ida inútil à faculdade, viera para casa e aí se deixara estar. À noite, custara-lhe adormecer; ficara horas a virar-se para um lado e para o outro na cama.

No dia seguinte ao acordar, a cabeça doía-lhe como se fosse explodir, mas, no meio de toda a torrente de ideias que lhe fluíam pela mente, uma se impôs às outras: a sua gravidez.

Não tinha contado a Mário que ia ser pai. Quando soubera da gravidez, ao fazer um daqueles testes da farmácia por estranhar o atraso no período, logo ela que sempre fora tão regular, reagira de forma que agora lhe parecia inesperada e contra toda a lógica, mas que na altura lhe parecera a mais acertada: a primeira pessoa com quem falara fora Ricardo, para que este fizesse Miguel afastar-se de si. Olhando para trás, não sabia por que o fizera; com o tempo acabara por acreditar que fora com o objectivo de magoá-lo e fazê-lo sofrer o mais possível, ou talvez apenas para lhe fazer ciúmes, mas na altura fizera-o porque se sentia bem com Mário e queria que Miguel deixasse de procurá-la e lhe desse paz e espaço para viver o seu novo amor. Porém, logo se arrependera, e, talvez por isso, adiara a conversa que iria ter com Mário. Ao ver Miguel no hospital, reforçara o sentimento de que este ainda significava muito para si, e, talvez porque se sentira a perdê-lo (ou talvez o tivesse já perdido definitivamente), quisera instintivamente reconquistá-lo. Na esplanada, sentira-se a mais infeliz do mundo, abandonada por Mário e por Miguel, completamente só.

Sobrava-lhe o seu filho, uma dolorosa recordação destes últimos meses, um fardo que não se sentia preparada para carregar sozinha. Quando tinha Mário do seu lado, sentia-se capaz de tudo, mas assim não. Além do mais, ele não sabia e Margarida não sabia como ele iria reagir se lhe contasse agora que tudo tinha acabado. Agora que pensava nisso à distância duma semana e alguns dias, perguntava-se se o motivo que a levara a adiar não fora, já aí, medo da reacção de Mário.

Fosse como fosse, era melhor assim, era preferível que ele não tivesse sabido nem nunca viesse a saber; sobretudo depois da sua decisão.

Margarida não consultara os pais nem nenhuma outra pessoa. Esta era uma decisão sua, que só a si competia, e que não queria partilhar com ninguém. Não queria dividir o fardo com ninguém, nem queria que ninguém soubesse a verdade.

De repente, deu consigo a reflectir o quão irónica a vida podia ser: fazia naquele dia precisamente três meses que votara no Referendo. Três meses antes, dissera não ao que agora dizia sim, apenas porque a realidade lhe batera à porta a si. Sentiu-se hipócrita e egoísta, mas consolou-se dizendo que nunca é tarde para mudar de opinião e descobrir um novo caminho. Ainda mais irónico era o facto de a sua decisão hoje ser possível graças a todas as pessoas que há três meses discordaram de si. Sentiu-se agradecida por outros terem visto o que fora incapaz de ver.

Era Sexta-feira e já era tarde para telefonar ao seu médico; fá-lo-ia depois do fim-de-semana.

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