quinta-feira, 26 de julho de 2007

20

A reunião com os clientes Franceses tinha corrido bem melhor do que estava à espera. Mas havia qualquer coisa a preocupá-lo. Sabia bem o que era, mas até ao dia seguinte não lhe seria possível saber o que queria. Teria de esperar até à hora da visita de Miguel para falar com o amigo e saber o que tinha acontecido com Margarida.

Só que, por mais que estivesse preocupado com o amigo, havia outra pessoa que ocupava o seu pensamento – Carla. Não conseguia parar de pensar nela. E, contra tudo o que era normal em si, resolvera telefonar-lhe. Precisava de ouvir a sua voz, para poder recordar o movimento dos seus lábios em cada palavra proferida. Precisava de ouvir a sua voz, para fechar os olhos e vê-la sorrir. Precisava de ouvir a sua voz, apenas porque sabia que o seu tom meigo e pausado iria ter o poder de o fazer sentir-se melhor.

Procurou o número de Carla na lista telefónica no telemóvel e, ao encontrá-lo, hesitou. “O que é que se passa comigo?”, indagou-se, “Pareço um miúdo de 15 anos que não sabe falar com uma rapariga...”. Respirou fundo e carregou no botãozinho verde. Chamou, chamou, chamou, e quando estava mesmo a desistir, Carla atendeu o telemóvel.

- Olá Ricardo, como está? – perguntou Carla, num tom entre o surpreendido e o assustado.

- Estou mais ou menos, confesso. Liguei-lhe porque precisava de ouvir a sua voz. Sei que é estranho e precipitado dizer estas coisas, mas a verdade é que não me sentia tão bem com alguém como senti consigo. Parece que a Carla é capaz de me entender, mesmo quando não digo muita coisa. E sinto que sente o mesmo que eu. Sei que só estivemos juntos uma vez, mas deixe-me convidá-la para jantar. Por favor... – disse Ricardo de uma só vez, como se fosse perder a coragem no momento imediatamente a seguir.

Carla estranhou aquele impulso, mas alguma coisa na voz dele denotava sinceridade. A verdade era que também ela se sentia muito bem ao lado de Ricardo. Aquele homem, que tinha passado uma noite inteira a ouvi-la falar de Tomás, não olhava para ela de lado pelo facto de ter sido Mãe tão jovem. Não a julgava por ser Mãe solteira. Tão pouco havia tentado dar-lhe lições de moral pelo que quer que fosse. E há muito tempo que não encontrava ninguém assim. No entanto, sentia que tudo isso podia desvanecer-se como se de uma nuvem de fumo se tratasse. Ricardo havia sido, nos tempos de Colégio, o melhor amigo de Miguel. Não sabia que relação manteriam, ainda, mas a verdade é que quando Ricardo soubesse quem ela era as coisas mudariam, com toda a certeza. Mesmo assim, resolveu que iria arriscar um pouco.

- Jantar não posso. Prometi ao Tomás que jantava com ele hoje. Mas às 21h30 são horas de o meu Menino ir dormir. Podemos encontrar-nos depois, para conversar um pouco. O que diz? – propôs-lhe Carla.

- Claro que sim. Encontramo-nos nalgum lugar, ou posso ir buscá-la a casa?

- É melhor encontrarmo-nos. Há um lugar na cidade que eu adoro, e onde ainda não voltei desde que regressei ao Porto. Se não se importar, gostava de ir até à Praça do Cubo.

- No Cubo será, então. Às 22hs? E em que esplanada?

- Às 22hs, sim. Na esplanada que tem o melhor chocolate quente. Tenho a certeza de que vai descobrir qual é! – respondeu Carla, já em jeito de despedida.

- Então até logo! Um beijo.

- Até logo. Beijinhos.

Depois de desligar o telefone, Ricardo olhou para as horas. Eram quase 20hs. Já era mais do que tempo de ir para casa, tomar um duche e comer qualquer coisa, antes de ir encontrar Carla.

Quando chegou a casa, Carla deu um beijo enorme no Filho. A melhor coisa do mundo era chegar a casa e ver Tomás, de pijama e roupão à espera dela com um sorriso rasgado no rosto. “É tão bonito o meu Menino!”, pensava sempre para consigo mesma. E no momento seguinte pensava em como ele era parecido com o Pai. O seu Filho era o que de mais importante tinha na vida, e não podia deixar que nada nem ninguém o magoasse.

- Vamos jantar, meu amor? A Mamã tem de sair depois de ires para a caminha. Vais portar-te bem e dormir logo, não vais?

- Sim, Mamã. Eu porto-me sempre bem!

Carla jantou, deitou o filho, deu-lhe um beijo de boa noite e dirigiu-se ao seu quarto. Sentiu um frio na barriga. Estava nervosa por ir encontrar-se com Ricardo. Passou uma escova nos seus longos e sedosos cabelos, e preparou-se para sair.

Já no carro pensou para consigo mesma que aquilo era loucura. Mas já tinha dito que ia, e não queria deixá-lo pendurado.

Num instante chegou à zona da Ribeira. Estacionou o carro no primeiro lugar que encontrou, e dirigiu-se ao Cubo. Há anos que não ia àquele lugar. Quando lá chegou viu Ricardo. Estava sentado na esplanada preferida dela. Tinha acertado. Respirou fundo e caminhou até ele. Ricardo, quando a viu, levantou-se de imediato e abriu-lhe um sorriso meigo e muito bonito. Estava com um ar cansado e abatido. Alguma coisa não estava em, e Carla havia percebido isso no momento em que o olhara.

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