No dia seguinte, Ricardo entrou na Unidade de Cuidados Intermédios para encontrar uma senhora de cabelos brancos deitada na cama onde Miguel estivera. Dirigiu-se a uma enfermeira para perguntar o que era feito do seu amigo, que o informou de que o senhor Miguel Menezes tinha sido transferido ao final do dia anterior para a Medicina do piso três, por já se encontrar fora de perigo.
- E onde fica isso?
- O melhor é ir à linha azul perguntar.
- E onde fica a linha azul?
- No piso dois. Tem que sair lá fora e entrar pela entrada principal.
Munido desta parca informação, Ricardo saiu do edifício e voltou a entrar pela porta principal. Verificando que estava no piso um, subiu um andar e dirigiu-se à linha azul.
Depois de saber do paradeiro do seu amigo, desceu novamente ao piso um, onde lhe disseram que ficava a entrada das visitas, e passou os torniquetes. "Estranho método," pensou, "parece que estamos no metro." Chamou o elevador e esperou uma eternidade até a porta se abrir. No interior, já se encontravam várias pessoas de bata branca: médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos.
Marcou o botão três e o elevador começou a subir aos solavancos e fazendo ruídos como se algo estivesse prestes a desconjuntar-se. Parou no dois, entraram mais dois homens em fato-macaco azul e a porta fechou novamente, mas o elevador não arrancou logo. Passado um pouco, começou a subir, mas não parou no piso três, nem no quatro, nem sequer no cinco. Os ocupantes de bata começaram a rir e a comentar:
- Lá avariou outra vez.
- Calma, que ele vai ao zero-um tomar lanço e depois já funciona outra vez.
- O importante é que não pare no cinco. Se pára no cinco é o diabo...
Ricardo não estava a perceber nada e já não estava a gostar da brincadeira. Decidiu sair do elevador o quanto antes, o que, no caso, significou o piso oito, pois o elevador só parou quando não podia subir mais, e descer as escadas. Diz-se que para baixo todos os santos ajudam, pelo que descer cinco pisos não custou muito. Chegado ao piso três, Ricardo não viu nada que se parecesse com uma enfermaria onde o seu amigo pudesse estar internado. Pelas escadas desciam três jovens de bata e pasta académica na mão, alunos de Medicina, provavelmente. Ricardo dirigiu-se-lhes:
- Bom dia, desculpem, onde fica a Medicina do piso três?
Respondeu-lhe o rapaz de olhos azuis que seguia entre outras duas raparigas:
- O senhor tem de descer até ao piso um e seguir pelo corredor até aos próximos elevadores. Aí, apanha o elevador quatro até ao piso três e a Medicina é aí. Esta é a parte da Faculdade, não tem enfermarias.
Ricardo agradeceu e, lamentando a sua sorte por se ter metido inutilmente no elevador surreal, fez o percurso que o estudante lhe tinha descrito, conseguindo, finalmente, chegar à enfermaria para onde Miguel fora transferido. Ao entrar no corredor, sentiu que fizera uma longa viagem até ao Afeganistão. As paredes cinzentas, com a tinta a descascar e os rodapés lascados dos choques com macas, as camas no meio do corredor ocupadas por doentes de quem ninguém parecia querer ocupar-se, as cadeiras e as mesas de ferro esmaltado enferrujadas, meia dúzia de fios e um tubo a correrem junto ao tecto e o chão aqui e ali a levantar davam um ar decrépito e muito pouco hospitalar ao Hospital. Felizmente, na linha azul tinham-lhe dito em que cama encontraria Miguel, pelo que não lhe foi difícil encontrar a sala onde o amigo se encontrava, lado a lado com um doente que arrulhava como uma rola.
- Olá, grande Miguel! Pá, não imaginas a aventura que foi conseguir chegar aqui para te visitar hoje! Ia ficando preso num elevador e tudo!
- A sério? Conta!
- Já te conto. Primeiro, tu é que tens de me explicar como foi que adormeceste ao volante para vires parar aqui neste estado.
- Eu não adormeci.
Ricardo ficou uma fracção de segundo suspenso, enquanto milhares de pensamentos corriam pelo seu cérebro. Não conseguindo agarrar nenhum, disse a única frase que foi capaz de articular.
- Não? Acho que tens ainda mais para me contar do que eu imaginei, meu caro... Vou ajudar-te: diz-me que não tem a ver com a Margarida.
- Se o fizesse, estaria a mentir.
- Pois, já calculava... Vamos lá por partes, então.
Miguel contou então a Ricardo como saíra de sua casa na semana anterior com a cabeça a rodopiar depois de saber que Margarida estava grávida e como passara três dias tentando contactá-la, sem que ela nunca lhe atendesse o telefone.
- E que lhe ias tu dizer?
- Não sei, só sei que precisava de falar com ela. Precisava de vê-la, sei lá! Tu não imaginas como me senti e ainda me sinto!
- Não, não imagino, compreendo que não te sintas nada bem, mas não acho bem que quisesses falar com ela, pois só irias magoar-te.
- Impossível sofrer mais do que já estou a sofrer.
- Nada do que eu te diga vai ajudar a aliviar a tua dor, meu amigo; é algo que terás de superar por ti. Continua a contar-me o que se passou.
- Na Sexta-feira decidi ir a casa dela saber por que não atendia nem telefone nem telemóvel. Tu sabes onde ela mora, não sabes?
Ricardo assentiu com a cabeça e não lhe foi difícil imaginar a cena quando Miguel lhe explicou que, quando estava quase a chegar, vira Margarida...
- ...Com o novo namorado, ou amante, ou lá o que ele é, os dois num carrão; já estou a ver como é que ele a engatou.
- Miguel, não digas isso, que sabes muito bem que estás a ser injusto para com a Margarida.
Mas Miguel não queria saber. Naquele momento, não conseguia sentir nada para além de ódio por Margarida. E fora esse ódio que o fizera distrair-se da condução e galgar o passeio.
- Sabes aquela pontezinha por cima da linha do comboio? Foi mesmo antes que me despistei. Por sorte, não fui parar à linha do comboio, mas o impacto ainda foi suficiente para me deixar neste estado.
6 comentários:
parabens pela iniciativa e pela fantastica historia que estao a escrever.
a partir de hoje tem mais 1 leitora anciosa por novos capitulos...
beijinhos
Esclarecido! :P
Mas ha outros assuntos pendentes; toca a desenvolver faz favor!!
Tiago,
Ainda bem que estás esclarecido e não te preocupes quevamos desenvolvendo, mas com calma, senão a história inacabada ainda acaba.
Um abraço,
GMSMC
Magui,
Obrigado pelo comentário e esperamos continuar a cativar a tua leitura.
Beijinhos,
GMSMC
Acho que devem desenvolver a história e criar mais factos para que o título faça sentido. Parabéns também pela escrita...
Anónimo,
Obrigado pelo comentário. Como disse o Tiago, há outros assuntos pendentes.
GMSMC
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