terça-feira, 10 de julho de 2007

15

- Estou? Carla?

- Olá, Ricardo. Só estou a ligar-lhe para lhe pedir para passar por aqui um pouco mais tarde, que ainda tenho umas coisas para fazer aqui no escritório.

- Está bem. Combinamos para daqui a meia hora?

- Pode ser. Obrigada e até logo.

- Até logo, Carla.

Ricardo suspirou de alívio. Quando vira o número de Carla no ecrã do telemóvel, pensara que a chamada se destinara a cancelar o jantar.

"Mais meia hora de espera", pensou. Aproveitou esse tempo para telefonar aos pais de Miguel a saber novidades. Tinha sido Ricardo quem os avisara, mas só depois de saber que o amigo estava livre de perigo, para não os preocupar em demasia. Entretanto, as coisas tinham-se complicado com o tromboembolismo pulmonar, mas o tratamento tinha sido iniciado a tempo e os pais de Miguel confirmaram que a situação clínica do filho estava a evoluir favoravelmente e que, segundo os médicos, o período crítico já tinha passado e em breve sairia da Unidade de Cuidados Intermédios. As más notícias eram que se seguiriam dois meses de convalescença em regime de internamento e mais uns quantos de fisioterapia, em função da evolução.

Ricardo tinha visitado o amigo nesse dia de manhã, mas ainda não tinha tido coragem de lhe perguntar os motivos do acidente. Miguel ainda estava todo engessado, ligado a fios e tubos, numa sala cheia de aparelhos cinzentos e de monitores com o fundo preto e linhas verdes que iam serpenteando, umas com ângulos mais agudos, outras com curvas sinusóides. Ricardo saíra do Hospital pensando como é triste estar num hospital.

Findo o telefonema, olhou novamente para o relógio. Ainda lhe restavam vinte e cinco minutos. "É incrível, pareço uma criança, ou pior, um adolescente antes do seu primeiro encontro. Acho que da primeira vez que saí com a Beatriz não estava tão ansioso!". Recriminou-se pelo facto e olhou à sua volta.

O seu escritório ficava num sétimo andar; da janela via-se o Rio Douro e o lado de lá da margem. O melhor que Gaia tem é a vista para o Porto, ouvira dizer muitas vezes, e, ao olhar pela janela, não podia deixar de concordar que aquela paisagem devia estar entre as mais belas do Mundo. "Por algum motivo o Porto é Património da Humanidade", disse para consigo, e deixou-se estar mais um pouco a ver o entardecer.

O Sol entrava pela janela, que se estendia a todo o comprimento da parede, e iluminava a sala, dando à mobília reflexos dourados. Era um gabinete moderno, simples e funcional: três sofás pretos num dos cantos com uma pequena mesa de vidro ao centro, sobre um tapete onde sobressaía o azul claro e uma mesa comprida, em forma de ele, terminando um dos braços num círculo que servia como mesa de reuniões. O tampo era castanho e os pés pretos, tal como pretos eram os armários e as duas cadeiras onde, dum lado, se sentavam os clientes, e do outro Ricardo os atendia, esta última uma cadeira com rodinhas. Como ele gostava das cadeiras com rodinhas! Já em criança se divertia no escritório do pai, sentado numa cadeira também com rodinhas e empurrando-a dum lado para o outro. Depois, na faculdade, os amigos riam-se dele, porque, onde quer que houvesse uma cadeira com rodinhas, era aí que Ricardo se sentava.

- A que tem rodinhas é minha; ninguém se sente! - costumava exclamar mal entrava numa sala.

As rodinhas da cadeira, tal como os pés da mesa, assentavam numa carpete também em tons de azul claro, sobre a qual se encontrava também um vaso com uma planta. Ricardo fazia questão de ser ele mesmo a regá-la, todos os dias. Nas paredes, alguns quadros, a maioria oferecidos por um amigo que se dizia pintor e, na verdade, até tinha jeito e já tinha feito meia dúzia de exposições, embora fosse advogado de profissão.

Meia hora passou e Ricardo saiu finalmente para ir buscar Carla. Tinha decidido não a levar ao mesmo restaurante onde a deixara à espera na Sexta-feira, mas sim a um na Ribeira, que também era bastante famoso.

Entraram e Ricardo soube que fizera a escolha certa ao ver o ar impressionado de Carla. O ambiente era distinto, os empregados andavam de libré branco com botões dourados e a meia-luz dava um ar ao mesmo tempo acolhedor e intimista. Ricardo escolheu uma mesa debaixo duma arcada, com vista para o Rio, e puxou a cadeira para que Carla se sentasse.

"Um cavalheiro", pensou.

Ricardo sentou-se do outro lado da mesa, em frente a Carla, e prepararam-se para escolher: bife três pimentas para ele; arroz de gambas para ela.

Assim que o empregado se afastou com os pedidos, Ricardo disse:

- Sabe, Carla, vou contar-lhe uma história que se passou comigo há uns anos, quando entrei para a faculdade. Logo nos primeiros dias, encontrei uma rapariga, também do primeiro ano, e disse-lhe, com o maior descaramento, que a conhecia, mas não sabia donde. Ela olhou para mim com cara de poucos amigos e seguiu caminho sem me dirigir a palavra. Eu fiquei sem entender nada; achei que ela era simplesmente mal-educada e não me preocupei muito com o assunto. Dois meses depois, por aí, voltei a encontrá-la numa festa de aniversário duma outra colega. Aí, sim, falámos, e vim a descobrir que, de facto, nos conhecíamos, pois tínhamos participado os dois no mesmo torneio de ténis, há uns anos atrás, quando eu ainda sabia jogar.

- Aposto que ainda sabe jogar, e bem! - exclamou Carla.

- Oh, longe disso! Se a Carla me visse jogar agora, iria rir-se da minha pobre figura! Mas pronto, só lhe contei este episódio para que a Carla não pense que, quando eu digo que tenho a sensação de que a conheço dalgum sítio, não julgue que é apenas uma frase feita ou uma forma de quebrar o gelo; é a mais pura verdade. Não sei se a Carla tem a mesma sensação, mas eu tenho a certeza de que já me cruzei consigo nalgum lugar antes.

- É curioso que eu tenho a mesma sensação, mas não sei donde possa ser. O Ricardo tem que idade, se é que posso perguntar-lhe?

- Claro que sim! Tenho vinte e quatro anos.

- É mais velho do que eu, o que invalida que tenhamos andado juntos na escola, e não andou nunca em Biologia, pois não?

- Nem por isso, nem por isso... Mas olhe que talvez nos tenhamos cruzado na escola. Mesmo sendo de anos diferentes, podíamos conhecer-nos de vista, não?

- Pois, pode ter razão. Em que escola andou?

- Não andei numa escola; andei num colégio.

Carla soube donde conhecia Ricardo mesmo antes deste dizer o nome do Colégio. O homem que se encontrava à sua frente era, nos tempos de escola, o melhor amigo de Miguel. Sê-lo-ia ainda? Carla não sabia o que pensar nem o que dizer. De repente, lembrou-se do telefonema da manhã. O melhor amigo de Ricardo estava no hospital. Seria Miguel quem estava no hospital? Carla queria confirmar as suas suspeitas, queria saber notícias de Miguel, mas não sabia se devia revelar já a sua identidade.

11 comentários:

B disse...

Gostei...
O que será que Carla vai fazer?? Nunca mais é quinta....:p

Anónimo disse...

Só uma pequena critica, aliás duas.
Primeiro não puseste o numero do capitulo o que dá um ar desajeitado a coisa. Corrige lá isso.
A outra é que acho que te deves andar a inspirar na obra de Eça de Queirós, porque cada vez os teus capítulos são mais descritivos. Acho que não há necessidade e torna a leitura mais enfadonha.

GMSMC disse...

Bárbara,

O que a Carla vai fazer... Ora aí está uma boa pergunta! E importante, porque a decisão que ela tome neste jantar pode influenciar decisivamente o curso da história.

Beijinho,
GMSMC

GMSMC disse...

BACMS,

Concordo contigo que falta um XV lá em cima, e corrigia o facto se o computador me deixasse. Pois, estes bichos às vezes são muito temperamentais...
Quanto à tua outra crítica, é bem-vinda e levá-la-ei em conta no próximo episódio. Mas, já agora, deixa-me que te diga que foi o Eça e o seu amigo Ramalho que nos deram a ideia de escrever a quatro mãos, tal como eles fizeram.

Abraço,
GMSMC

Anónimo disse...

Tenho de concordar com a critica ao "descritivismo"... eu saltei algumas linhas, mas tambem o fiz quando li os Maias! :P
Quanto a historia, por que raio adormeceu o Miguel?????

Anónimo disse...

Bem, quanto ao que a Carla vai fazer, deixo-o nas vossas mãos... tenho plena confiança (a curiosidade é tanta!) quanto ao descritivo, e até sou fã de Eça de Queirós, acho que dá uma ilustração diferente à coisa: eu pelo menos senti-me bem naqueles sofás de canto... ;)
Beijos, estou ansiosa por quinta, como sempre!
A.

GMSMC disse...

Tiago,

Lá chegaremos aos motivos que levaram o Miguel a adormecer ao volante. Quanto ao "descritivismo", pensa que as linhas que saltaste podem conter a chave para algo que irá passar-se em breve.

Abraço,
GMSMC

GMSMC disse...

Alex,

Obrigado pelas palavras de encorajamento e pela confiança depositada. Eu confio na Carla e tenho a certeza de que, qualquer que seja a decisão que ela tome, será bem tomada. Amanhã veremos.

Beijinho,
GMSMC

GMSMC disse...

BACMS,

Aí tens o XV no cimo do episódio. Parece que o computador se decidiu a funcionar... ;)

Abraço,
GMSMC

Anónimo disse...

Esse XV enganou-me bem... Vem um tipo visitar a página vê o numero pensa que é uma coisa nova e nada... lol

GMSMC disse...

BACMS,

Agora não podes queixar-te, que o XVI já aí está. Boa leitura!

Um abraço,
GMSMC