terça-feira, 24 de julho de 2007

19

Margarida ainda hesitou em responder a Ricardo, mas percebeu que era inútil.

- Preciso de o ver. Preciso de saber que ele esta bem. Entendes?

- Não, não entendo. A única coisa que queres é ficar em paz com a tua consciência, para depois poderes ir embora para o teu mundo perfeito à vontade, e sem ter de olhar para trás. Vai-te embora Margarida. Já fizeste mal demais ao meu amigo. – disse-lhe Ricardo tentando, a muito custo, controlar a sua ira.

- Não sei porque é que me dou ao trabalho de te perguntar o que quer que seja. Quero ver o Miguel e vou vê-lo. E não serás tu quem irá impedir-me. – disse-lhe Margarida, voltando-lhe, de seguida, as costas e caminhando em direcção à enfermeira que se encontrava a sair de um dos quartos.

“Como é que o Miguel pode ter ficado naquele estado por causa desta mulher que não mostra o mínimo respeito por ele?”, questionou-se Ricardo. “O pior é que ela agora aparece ali, ele fica cheio de esperanças e depois ela volta a ir-se embora, outra vez.”, pensando ainda para consigo mesmo.

Ricardo sabia que Miguel sentia algo de muito forte por Margarida e, por isso mesmo, temia a reacção do amigo ao vê-la ali. Fechou os olhos, respirou fundo e dirigiu-se, novamente, ao caminho labiríntico que o levaria de volta ao seu carro.

Ao chegar ao carro, Ricardo recostou-se no banco e deixou-se levar, por breves instantes, pela música que tocava no rádio. Na sua mente surgiu Carla e a vontade de lhe ligar foi mais do que muita. Sentia uma necessidade imensa em estar com aquela mulher que mal conhecia, mas com quem se sentia tão bem. Mas não podia. Não naquele momento. Tinha uma reunião com uns clientes Franceses e não podia, de todo, voltar a adiá-la. Já chegava tê-lo feito no dia do acidente com Carla, por causa da discussão com Beatriz, que o deixara completamente fora de si.

Entretanto, ainda dentro do Hospital, Margarida dirigiu-se ao quarto onde estava Miguel. Este, ao vê-la, teve a reacção mais inesperada possível.

- O que é que estás aqui a fazer, Margarida?

- Precisava de te ver, de saber que estás bem. – respondeu-lhe Margarida, surpreendida com a frieza e com a secura de Miguel. Ainda há poucos dias aquele homem dizia que a amava, que seria capaz de tudo por ela, e agora tratava-a com a maior distância do mundo.

- Vai-te embora. – disse-lhe Miguel, num tom áspero – Não quero voltar a ver-te. Sabes, Margarida, este acidente, não tanto pelas mazelas físicas com que me deixou, mas mais pelo impacto psicológico que teve em mim, fez-me perceber que há coisas bem mais importantes na vida do que sofrer por quem não me quer. Apanhei o susto da minha vida. Às vezes fecho os olhos e revejo o acidente. Foi horrível. Muita sorte tive eu. Tendo em conta as circunstâncias poderia ter sido bem pior. Serviu para me mostrar que não vale a pena perder tempo com coisas inúteis e sem sentido. Podia ter-me acontecido algo bem mais grave. Felizmente não aconteceu. E agora o que quero é recuperar e esquecer tudo o que aconteceu.

- Até a mim? – perguntou-lhe Margarida, expectante.

- O que é isto, Margarida? Um jogo? Já visto no estado em que estou? Sim, quero esquecer-te. Esquecer que algum dia exististe na minha vida. Vai-te embora e quando saíres não penses, sequer, em tentar olhar para trás. Adeus, Margarida, adeus. – disse-lhe Miguel, voltando a cara para o outro lado.

Margarida baixou a cabeça e saiu do quarto com as lágrimas nos olhos. Nunca imaginara ouvir palavras daquelas de Miguel. Sabia que havia sido precipitada em envolver-se com outra pessoa. Agora estava grávida de um homem que não amava e, consequentemente, presa a ele para o resto da vida. Tinha-o percebido no dia seguinte à conversa com Ricardo. Aquele passeio até Matosinhos, e aquela manhã passada sentada em frente ao “Lais de Guia”, haviam-na feito perceber que era Miguel quem ela amava.

Tinha decidido que iria falar com ele, que lhe ia pedir que esperasse por ela até o Bebé nascer. Mas agora estava tudo perdido. Miguel não a queria mais. E pelo tom de voz dele, ela tinha percebido que a realidade era mesmo aquela, e não outra. Sabia que no momento em que saíra daquele quarto havia perdido Miguel para sempre. Tinha noção, também, de que nunca nenhum homem a havia amado daquela maneira, plena e incondicional, como Miguel a amara, e que jamais alguém voltaria a amá-la assim. Percebia, naquele momento, que tinha sido um erro tremendo não ter-lhe atendido o telemóvel durante aqueles três dias que haviam antecedido o acidente. Mas queria ter tudo organizado na sua cabeça antes de falar com ele. Queria falar-lhe cara a cara. Nunca tinha sido apologista das coisas que se dizer pelo telefone, e sabia que aquela conversa seria a mais importante de todas. Só que a sua necessidade de fazer as coisas demasiado certinhas havia deitado tudo a perder. Havia perdido Miguel para sempre.

As palavras de Miguel não haviam sido de mágoa nem de ressentimento, tinham sido, antes, palavras de cansaço e desilusão. Ele nem imaginava como a desilusão vertida em cada uma das suas palavras a haviam magoado. Mas tinha consciência de que era a única culpada. Havia perdido Miguel para sempre e a culpa era exclusivamente sua. Era certo que havia sido ele a pedir-lhe que saísse da sua vida, que era melhor assim. Mas a sua necessidade de o magoar, mesmo que de forma inconsciente, havia sido maior do que tudo, e o resultado era aquele. E Miguel jamais voltaria a estar ali para ela.

Agora ia ter de aprender a viver sem ele de verdade. E sabia que jamais voltaria a sentir-se completa como havia sentido ao lado dele.

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