quinta-feira, 5 de julho de 2007

14

Nem queria acreditar quando Amélia lhe passou a chamada, logo às 9h30. Mais uma segunda-feira a começar com a presença de Ricardo. Depois da conversa, que havia sido bem mais serena e esclarecedora do que imaginara, Carla respirou fundo. A vida, realmente, era tramada. Ela revoltada, a pensar que ele a tinha deixado pendurada no “Cafeína”, e ele num Hospital a tentar saber notícias do melhor amigo que tinha sofrido um grave acidente de carro. Tremeu só de pensar no amigo de Ricardo. Um acidente de carro às 18hs, por ter adormecido ao volante, sem qualquer explicação, pelo menos conhecida. Sentiu algum remorso por ter pensado tão mal de Ricardo. Mas pronto, nessa noite jantariam e tudo ficaria resolvido.

A manhã voou e quando se deu conta já era hora de almoço. Recordou, mais uma vez a conversa com Ricardo e o novo convite para jantar, ainda nessa noite. Sentiu um arrepio percorrer-lhe todo o Corpo. Aquele homem tinha qualquer coisa.

O som estridente do seu telemóvel transportou-a de volta à realidade.

- Olá Francisca! Há quanto tempo! Está tudo bem contigo?

- Olá Carla! É verdade, já lá vão uns meses, mas sabes que a nova vida de casada ocupa-me muito tempo! Mas não foi para falar disso que te liguei. Vai realizar-se uma festa no nosso antigo Colégio para os ex-alunos, e eu faço parte da organização. Gostava muito de poder contar com a tua presença. A nossa turma do décimo primeiro ano já confirmou quase toda, és das poucas pessoas que faltam confirmar! Posso contar contigo? – disse Francisca de seguida, como se as palavras fossem fugir-lhe.

- Não posso responder-te já, mas até ao fim da semana digo-te alguma coisa. Pode ser? – respondeu-lhe Carla, tentando ganhar algum tempo para poder pensar bem no que fazer.

- Está bem! Mas de sexta-feira não pode passar, porque depois fica muito apertado.

- Combinado. No máximo, até sexta-feira, terás notícias minhas.

- Ficarei à espera, então! Beijinhos para ti e para o Tomás.

- Obrigada! Beijinhos para ti também. Dá um beijinho nosso ao António.

Francisca era uma das suas melhores e mais antigas amigas. É certo que a ida de Carla para Lisboa havia alterado os contornos daquela amizade, e que o facto de se ter recusado a contar-lhe quem era o Pai de Tomás também não havia ajudado muito. Mas, na verdade, continuavam muito boas amigas. E Carla não sabia como livrar-se daquela reunião. Miguel também lá estaria, e não lhe apetecia, de todo, vê-lo. Alguma desculpa arranjaria para se furtar ao encontro.

De repente sentiu que o chão lhe fugia, e ficou inquieta. Pensou no filho e sentiu uma necessidade enorme de estar com ele, de ter a certeza de que ele estava bem. Num ápice entrou no elevador e desceu até à garagem. Já ao volante, dirigiu-se para o Colégio de Tomás e estacionou ali perto. Já lá dentro, o coração de Carla acalmou-se quando o filho, assim que a viu, lhe abriu o seu sorriso mais bonito e correu para a abraçar. Apertar o filho nos braços era, sem dúvida alguma, a melhor sensação do mundo.

- Vou para casa agora, Mamã? – perguntou-lhe Tomás, lembrando-se que tinha acabado de almoçar e que ainda não devia ser hora de ir para casa.

- Não, meu querido. A Mamã é que teve muitas saudades tuas e resolveu vir dar-te um beijo enorme e um abraço bem apertado, daqueles que só tu sabes dar.

- Mamã, não digas essas coisas... – disse Tomás, ficando um pouco atrapalhado, - A minha namorada fica com ciúmes e depois já não quer ser minha namorada outra vez.

- A tua namorada? Mas tu tens uma namorada e não contavas à Mamã?

- Estas coisas de meninos não se falam com as Mamãs, só com os Papás. Mas eu não tenho Papá... – respondeu-lhe Tomás, cujo olhar se tornou triste.

Mas a tristeza logo se dissipou, quando ouviu outro menino chamá-lo para ir brincar mais um pouco, antes das aulas da tarde. Deu um beio rápido na Mãe e lá foi ele, saltitante e contente.

Mais uma vez, Carla sentiu o coração apertado. Tomás precisava de um Pai. E, mais cedo ou mais tarde, teria de contar a verdade a ambos. Mas sabia que a chegada desse dia iria trazer-lhe alguns dissabores e muitas complicações. Só que a tristeza que via na expressão do Filho fazia-a compreender que o dia da verdade teria de chegar bem rápido.

Regressou ao escritório pronta para enfrentar mais uma tarde de trabalho, que acabou por passar mais depressa do que estava à espera.

No seu gabinete, a alguns quilómetros dali, Ricardo pensava em Miguel e nas razões daquele estúpido acidente. Razões que ainda desconhecia, mas que no dia seguinte ele iria ter de dar-lhe. Nada daquilo fazia sentido.

Pensou em Carla, e sorriu de si para consigo. Tinha ficado de ir buscá-la à empresa, e estava quase na hora. Aquela mulher agradava-lhe. E não era só fisicamente. Havia qualquer coisa nela que o fazia ter vontade de se perder. E os mistérios que a rodeavam, tornavam-na ainda mais interessante.

Preparava-se para sair quando o seu telemóvel tocou e viu o número de Carla a piscar no visor.

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