terça-feira, 5 de junho de 2007

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Miguel atendeu o telefone, esperançado. Ao ouvir a voz de Ricardo, não pôde deixar de sentir um certo desalento, que transpareceu na sua reacção:

- Ah! És tu...

- Estavas à espera da rainha de Inglaterra? Ou, pior, deixa cá ver... Estavas à espera da Margarida! Adivinhei? - sem esperar pela resposta, Ricardo prosseguiu: - Quando é que percebes que o passado já acabou e não volta? Tens é de concentrar-te no futuro. Olha, a Freira respondeu-te ao meu convite?

- Eu não sei se te desligue o telefone na cara ou se te diga o que penso sobre a tua atitude. Oh Ricardo, tu dizes-te o meu melhor amigo e fazes-me uma coisa destas? Agora a Freira deve estar a pensar, e muito bem, que eu sou um descaradão, e a culpa é toda tua!

- Ai, que estamos tão preocupados com o que a Freira pensa ou deixa de pensar. Oh homem, anda lá, ela tem um corpinho jeitoso e tu és um homem livre e descomprometido. Vai sair com ela e logo vês no que dá. Até podes descobrir o amor da tua vida; ou pelo menos duma noite...

- Quantas vezes tenho de te dizer que o amor da minha vida já está descoberto?

- Sim, outra vez a história da Margarida. Quando é que percebes que ela não volta?

- Eu sei que hei-de reconquistá-la. Ela não deixou de me amar; está apenas adormecida e cabe-me a mim voltar a acordá-la.

- Acorda mas é tu para a vida, rapaz, que assim não vais a lado nenhum. Olha para mim, ainda hoje converti um desastre numa boa hipótese de engate.

- Hã?

- Hoje de manhã tive um acidente de carro. Nada grave, não te preocupes. O que é certo é que, à custa disso, fiquei com o número duma miúda com um corpinho tão perfeitinho como o da tua Freira. Já lhe telefonei e vamos jantar na próxima Sexta. Queres melhor?

- Ricardo, Ricardo, ganha juízo, rapaz, ganha juízo!

- Tu é que tens de ganhar juízo e esquecer a Margarida de vez!

- Olha que não, olha que não. Já te contei os avanços?

"Avanços, avanços... Só se for avanços de marcha-atrás; este tipo nunca mais sai da cepa torta. Quando é que ele percebe que a Margarida já o esqueceu e está muito bem assim?", pensou Ricardo. A sua boca, porém, calou estes pensamentos e optou por algo mais inóquo:

- Não, alguma coisa de importante?

- Ontem telefonei-lhe, mas ela não atendeu.

"Grandes avanços! É o que eu digo..."

- Uma pergunta: ama-la?

- Como é que sabes se amas uma pessoa? - respondeu Miguel.

- Isso tens de ser tu a perguntar a ti mesmo e a descobrir a resposta. É diferente de pessoa para pessoa.

- Eu achava que havia muita coisa mal na nossa relação. Agora, olhando para trás, chego à conclusão de que as coisas que estavam mal estavam em mim, não na relação em si. Acabo por chegar à conclusão de que tinha ali alguém que me amava e já tinha dado provas disso, e eu preocupava-me com coisas insignificantes e deixava essas coisas insignificantes ofuscarem algo muito maior. Vou contar-te uma coisa: este fim-de-semana passei à porta de casa dela. Fiquei mesmo mal, só com as recordações que aquele prédio me traz...

- Isso tudo é amor, meu caro. O problema é que ela já deixou bem claro que não quer que voltes a aproximar-te dela. Não te iludas, Miguel, porque o que te interessa verdadeiramente é que ela te abra as portas, e ela tem-nas todas fechadas desde que vocês se afastaram. Eu sei perfeitamente que este meu discurso é desanimador, sei que já to disse um montão de vezes, mas não creio que estaria a ser teu amigo se concordasse contigo forçosamente em nome de uma luta que não vale a pena, a meu ver. Já sabes que eu sou da opinião que, quando a bola está do nosso lado, e quando o assunto é amor, uma boa luta vale sempre a pena, só que, neste caso, não me parece que tenhas muitas hipóteses de vencer; ela não me parece disposta a sequer deixar-se ser disputada.

- Eu já decidi que vou lutar até ao fim.

Ricardo suspirou:

- Vamos ver é se saberás perceber quando é o fim...

- Bem, eu vou lutar. Se não o fizer, estarei a abdicar à partida daquilo que quero. Por muito difícil que seja, mesmo impossível, pelo menos terei a consciência de que lutei. Doutra forma, viverei eternamente a pensar que não fiz o mínimo esforço por aquilo que queria.

- Como te disse, eu sou sempre por uma boa luta quando o assunto é amor, mas dado o meu entendimento sobre a questão, não sei se valerá muito a pena. Mas, claro, isso é algo que te compete a ti pesar, e não a mim. Já sabes a minha opinião, e sabes também que podes sempre contar com a minha amizade, mesmo que metas os pés pelas mãos, como estás a fazer agora. Só quero que me prometas uma coisa...

Miguel sorriu. Sabia bem até onde ia a amizade de Ricardo, e sabia que "contar com ele" não eram palavras desprovidas de sentido.

- Diz lá o que queres que te prometa.

- Que, se a Freira te telefonar, combinas qualquer coisa com ela. Tu precisas de afastar os pensamentos da Margarida, dê lá por onde der!

- Prometo que vou pensar nisso.

- Miguel!

- Sim, Ricardo!

- Não te faças de desentendido!

- Ricardo, como podes pedir-me uma coisa dessas, se o meu coração pertence à Margarida?

- Não te peço que te cases com a Freira! Apenas que vás sair com ela. Como sais comigo e com o pessoal. Faz-te bem estar com pessoas; enquanto estás, não pensas na Margarida e não deprimes.

- Eu não estou deprimido!

- Sim, já sei que não estás deprimido - o tom de voz de Ricardo era agora condescendente, como se Miguel fosse uma criança que fazia birra quando era contrariada. - Mas sempre podias estar mais animado, sabes? Bem, tenho de desligar, que há trabalho para fazer. Depois conto-te como correu o jantar de Sexta. Prometes?

- Prometo que, se ela telefonar, combino com ela qualquer coisa se tu também fores.

- Melhor do que nada. Eu levo um castiçal, sim? E agora tenho mesmo de desligar.

- Vá, um abraço, se bem que tu não mereças. Ainda estou zangado contigo por causa do que me fizeste no Sábado!

- Um dia hás-de agradecer-me. Até logo! - Ricardo desligou o auscultador e pensou de repente na mulher com quem tivera o acidente. "Eu conheço aquela cara dalgum lado...", pensou. "Logo lhe pergunto da vidinha na Sexta e já fico a saber onde nos cruzámos antes de hoje."

2 comentários:

B disse...

Hoje é quinta e já vamos a meio de dia... Onde está o "VI"?

Maria disse...

Bárbara - Demorou a chegar mas já cá está! Espero que gostes!

Beijinhos,

Maria