terça-feira, 12 de junho de 2007

7

Ao mesmo tempo que Ricardo se surpreendia com a visita inesperada de Margarida, também Carla recebia no escritório uma visita sem aviso, mas mais agradável: a secretária acabava de anunciar a chegada do anterior Presidente do Conselho de Administração, o pai de Carla.

- Vim cá buscar o carro para levar à oficina e aproveito para te levar a almoçar comigo. Queres?

- Papá! Não quero eu outra coisa! - Carla esqueceu por momentos o acidente, o telefonema de Ricardo, a insegurança da primeira reunião (que até não correra tão mal como Carla temera), enfim, a manhã desastrosa no meio de balanços e balancetes de que não percebia patavina. A presença do pai sempre lhe dera segurança, desde criança. - Onde vamos?

- Vou levar-te a um restaurante aqui perto, o Cafeína. Tenho a certeza de que vais gostar.

- O Cafeína? Curioso... Esse restaurante deve estar a fazer sucesso aqui no Porto, pelo que vejo. Só hoje é o segundo convite que recebo para ir lá comer!

- Ai sim? Então e de quem é o outro convite? Já estou a ficar com ciúmes... - brincou o pai.

Carla relembrou então o telefonema do misterioso Ricardo e arrependeu-se de ter aceite. Mas agora tinha dito que sim e não gostava de voltar com a palavra atrás.

"Ele também não morde, espera-se!" Animada com este pensamento, vestiu o casaco e saiu do escritório acompanhada pelo pai, dizendo:

- O outro convite é do homem que me bateu no carro. Diz que quer discutir pessoalmente assuntos relacionados com o acidente, enquanto as seguradoras não se entendem. Vocês, homens, têm de começar a melhorar as desculpas para convidar uma mulher para sair...

O pai não respondeu. Em compensação, e como o restaurante ficava perto dos escritórios da empresa e o tempo começava a mostrar-se primaveril, propôs que caminhassem um pouco à sombra das árvores que cotejavam o passeio, em vez de ir de carro, o que foi prontamente aceite por Carla.

Chegados à entrada, Carla subiu primeiro os degraus de pedra e empurrou a porta de vidro, onde sobressaía colado junto ao rodapé, mas ao nível dos olhos de quem passasse ao fundo das escadas, o autocolante vermelho "Recomendado pelo Guia Michelin", aliás o único elemento fora da sobriedade duma entrada em vidro opaco e madeira castanho escuro. No interior, à direita e à esquerda, homens de fato (a maioria dos quais azuis com botões dourados, como se ser executivo pressupusesse vestir de azul e ter botões dourados; uma espécie de uniforme que permita à classe reconhecer-se entre si) conversavam entre si em voz baixa ao som de jazz ambiente.

A gerente aproximou-se de Carla e perguntou se ainda ia esperar por alguém; ao ver o pai de Carla transpor o umbral abriu-se num sorriso e perguntou-lhe se queria a mesa habitual.

- Pode ser; hoje venho só com a minha filha, que assumiu as minhas funções na empresa. - E depois, virando-se para Carla: - Neste restaurante fechei muitos negócios. Quando quiseres impressionar os teus clientes ou fornecedores, trá-los aqui.

- Obrigada, Papá, mas acho que não vou precisar dessas dicas por muito tempo; não tarda nada estarás de volta à empresa, não é verdade?

- Não sei, minha querida, não sei. O futuro no-lo dirá...

Sentaram-se e espreitaram a ementa.

- Não tenho muita fome, acho que vou escolher este tagliatelle. Adoro espargos, e o tamboril deve combinar bem com a massa.

- Fazes bem, querida, fazes bem. Eu vou para o bacalhau com broa, que costuma ser muito bom.

- E para beber? - perguntou a empregada.

- Um sumo de laranja natural, por favor - pediu Carla.

- E para o senhor doutor?

- Pode ser água, por favor.

"Nestas pequenas coisas se vê que o Papá ainda não superou a perda da Mamã", pensou Carla. Um bom vinho a acompanhar as refeições era um dos pequenos prazeres da vida a que o doutor Fernando Noronha Lima não resistia, mas, desde que perdera a mulher, era raro vê-lo bebendo outra coisa que não água. Este pensamento fez Carla lembrar a sua mãe. A ida para Lisboa há sete anos afastara-a dos pais, e a perda da mãe não a afectara tanto por causa disso. Além da distância dos pais, o drama da gravidez inesperada, a falta de apoio do pai da criança, a abdicação do seu sonho de cursar Medicina, tudo contribuíra para dar a Carla uma resistência ao sofrimento que apenas viria a descobrir com a morte da mãe e dos avós, quando o pai deixou tudo sobre os seus ombros. Todavia, ao olhar à sua frente o aspecto cansado do pai naquele momento, Carla sentiu-se pela primeira vez sozinha, desde que voltara ao Porto.

Lembrou-se do bilhete de Miguel. Pediu licença ao pai, dirigiu-se ao quarto-de-banho, parou em frente ao espelho e remexeu na bolsa à procura da carteira. Pegou nela, abriu-a e releu o bilhete: “Liga-me para tomarmos um café. Quero saber mais de ti! Um beijo, Miguel”.

- Não, desta vez, não! - rasgou o bilhete e deitou-o no cesto dos papéis. Lavou as mãos com o mesmo afinco como se tivesse acabado de tocar um doente contagioso e saiu. Regressou à mesa ao mesmo tempo que o seu tagliatelle com tamboril e espargos chegava.

- Bom apetite - disse-lhe o pai, que tinha também já à frente o prato.

- Obrigado, igualmente.

No final do almoço, levantaram-se e dirigiram-se para a saída. O pai abriu-lhe a porta, que embarrou no chão de madeira escura e quase o fez desequilibrar-se.

- Raio de porta! - resmungou, enquanto lutava para fechá-la; a porta resistia, presa numa lomba do piso do restaurante.

- Calma, Papá! Olha, vamos ver o mar um bocadinho?

Desceram a rua até à marginal e caminharam um pouco. Estava um dia bom, daqueles dias em que não chove mas também não está demasiado calor. O Sol brilhava entre nuvens brancas que pareciam carneiros e corria uma leve brisa que amenizava a temperatura sem ser aquele vento forte e desagradável que levanta areia e torna absolutamente impossíveis estes passeios à beira-mar. Carla e o pai sentaram-se nos bancos cinzentos que salpicam a Avenida do Brasil, junto ao Homem do Leme, à sombra duma das árvores que quase foram destruídas pelas obras que aí se fizeram há poucos anos, e Carla inspirou fundo o sabor da maresia. O mar sempre a fizera sentir bem, desde criança. Recordou os fins-de-semana em que era mais nova e os pais a levavam consigo para a casa de férias, em Vila do Conde. Sentiu saudades desses tempos passados com os pais numa esplanada em frente à praia (a mãe não gostava da areia, dizia que os grãos se metiam em todo o lado, e Carla herdou esse conceito de praia sem areia).

Quis dizer alguma coisa ao pai, mas as palavras não lhe saíram, pelo que se deixou ficar ali com ele, em silêncio.

Passados alguns minutos, o pai quebrou o silêncio para dizer que já eram horas de ir para o escritório, e que ele levaria o carro dali para a oficina. Carla assentiu, levantaram-se e regressaram ao escritório, onde se despediram à porta do gabinete que fora do avô e do pai e agora era de Carla.

4 comentários:

LadyBug disse...

ooooooooooo

ela rasgou o bilhete...não estava á espera dessa!
vá...mas o ricardo de certeza que encontrará foram de apresentar a sua "nova aquisição2 a miguel...ehehhe

Anónimo disse...

Estou a gostar muito da história. Continuem que vale a pena. Parabéns.

Maria disse...

Ladybug - Esta história é assim mesmo. Nunca se sabe o que vem a seguir. Espero que continues a gostar!

Beijinhos,

Maria

Maria disse...

Anónino(a) - Espero que sejamos capazes de continuar a agradar!

Beijinhos,

Maria