terça-feira, 26 de junho de 2007

11

Em menos de nada chegou ao restaurante onde combinara com Ricardo, quinze minutos atrasada, como manda a etiqueta, que não é bonito a convidada ter de esperar pelo anfitrião. Mesmo assim prevenida, Carla não viu Ricardo no restaurante quando entrou. A gerente, que ainda se lembrava da filha do doutor Fernando Noronha Lima, dirigiu-se-lhe imediatamente, perguntando se queria mesa para jantar ou iria aguardar, ao que Carla respondeu pela segunda hipótese.

- Sim, senhora; prefere aguardar aqui no bar ou ali nos sofás?

Carla escolheu os sofás pretos do lado esquerdo, pois o bar mesmo à entrada pareceu-lhe um pouco desprotegido: a porta em frente, o balcão atrás e mesas de jantar de cada lado; não havia ponto que lhe resguardasse as costas. O ser humano tende a sentir-se desconfortável em espaços abertos onde possa ser observado por trás, e Carla não era excepção. Sentou-se de costas para um biombo e admirou a estante: livros antigos, de lombadas com letras douradas, a maioria deles em francês. "Curioso," pensou, "alguém lerá estes livros?". Ao centro, jornais sobre uma mesa e, a completar, uma meia-luz intimista, paredes verdes, uma sala sossegada e confortável.

"O Ricardo afinal não é tão perfeito como parecia ao telefone; está atrasado... Bem, enquanto espero, vou lendo qualquer coisa, sempre não perco o meu tempo inutilmente." Pegou num jornal, abriu-o e encostou-se para trás no sofá.

Eram nove e meia quando Carla olhou para o relógio, pousou o jornal e se levantou: "Não veio, não disse nada, também não vou telefonar-lhe, era o que me faltava! Vou mas é embora!" Depois pensou no que iriam pensar a gerente e o resto dos empregados do restaurante. Não podia esquecer-se de que o seu pai era cliente habitual do restaurante e não ficava bem ser deixada plantada. "E daí, o Papá é que vai salvar-me..." Pegou no telemóvel, carregou na tecla um (era a tecla de marcação rápida atribuída ao pai) e no botão de chamar, mas não chegou a deixar tocar. Desligou, engoliu o orgulho e procurou o cartão com o número de Ricardo na carteira, mas não o encontrou, e então lembrou-se de que o tinha pousado em cima da mesa do escritório, na empresa. Ainda ponderou ir buscá-lo, afinal era curta a distância, mas depois reflectiu melhor e chegou à conclusão de que um homem que a deixava plantada num restaurante não merecia tanto trabalho. Voltou então a ligar para o pai e convidou-o para jantar consigo.

Pouco depois, o doutor Fernando Noronha Lima entrava no "Cafeína" e cumprimentava a filha com um beijinho na testa enquanto pedia à gerente uma mesa para dois. Depois de se sentarem, perguntou à filha:

- Desculpa ser tão directo, mas não era hoje que tinhas um jantar aqui com o tal senhor que te bateu no carro?

- Era, Papá, mas parece que ele achou divertido deixar-me pendurada.

- A sério, filha? Não te ligou nem nada?

- Nada. Mas eu também não lhe digo mais nada, e hei-de tratar para que a seguradora lhe suba o prémio tanto quanto possível por conta da pancada que me deu na Segunda passada!

- Quanto ao prémio, acho que não terás grande influência nas decisões da seguradora, e quanto a não telefonares, não estarás a fazer um juízo precipitado?

- Precipitada, eu? Como assim?

- Minha filha, por que não lhe dás o benefício da dúvida? Não sabes o que de facto se passou; pode haver uma boa razão por detrás desta aparente desconsideração dele.

- Papá, mas afinal tu ainda o defendes?

- Minha querida, eu não defendo ninguém. Só não quero que te precipites. Afinal, o moço foi gentil, convidou-te para jantar com ele, não vejo por que faria isso para depois te deixar aqui à espera e não aparecer... Liga-lhe e vais ver que tudo tem um motivo...

- Não, isso está fora de questão. Eu também tenho o meu amor-próprio. Ele falhou para comigo, mesmo que tenha tido um bom motivo para tal, deve ser ele a telefonar-me e a desculpar-se.

- Faz como entenderes, mas já sabes a minha opinião. Dá-lhe, pelo menos, o benefício da dúvida.

- Sim, Papá, fá-lo-ei. Se ele me telefonar, eu ouvi-lo-ei, mas não contes comigo para dar o braço a torcer.

- Melhor do que nada! - suspirou o pai de Carla. - E agora comamos. O que vais pedir?

Carla pediu um robalo com cogumelos e o pai um tornedó. O ambiente foi desanuviando aos poucos e, embora o início do jantar tenha sido apenas interrompido pelo som dos talheres a rasparem no prato e algumas tentativas por parte do pai para encetar uma conversa, no final já se abriu um pequeno sorriso nos lábios de Carla quando aquele lhe disse brincando que ficara satisfeito de saber que ainda era capaz de cativar uma dama para jantar consigo, embora preferisse ter sido a primeira opção.

Já passava das onze quando Carla e o pai saíram do restaurante. Passava também das onze quando, na Unidade de Cuidados Intermédios, Ricardo se lembrou subitamente de Carla e do jantar.

"Grande bronca!", pensou com os seus botões. "A esta hora ela deve estar piursa... Ligo-lhe? Bem, só me faltava esta."

Decidiu telefonar-lhe. Pegou no telemóvel e ouviu um tossicar. Olhou para o local donde o som proviera e viu uma enfermeira vestida de branco um pouco atrás de si a apontar para um papel colado à parede, onde se lia "desligue o seu telemóvel" por entre as manchas da impressão em jacto de tinta que desbotara, provavelmente por causa dum frasco de soro fisiológico aí derramado acidentalmente (deve ser o líquido mais frequente numa qualquer unidade hospitalar, quiçá até mais do que a água), e por baixo duma circunferência vermelha com uma linha diagonal no seu interior cortando o desenho do dito aparelho. Ricardo percebeu a mensagem, levantou-se e saiu da Unidade.

Já cá fora, pegou de novo no telemóvel e marcou o número de Carla. Ninguém atendeu. Repentinamente, deu-se conta de que estava a ligar para o escritório da empresa: "Claro! A esta hora havia de lá estar alguém? E ainda por cima é Sexta-feira; agora só na próxima Segunda. Ela vai querer bater-me quando lhe telefonar... Devia ter-lhe pedido o número de telemóvel; como foi que não me lembrei disso?"

Na verdade, Ricardo não tinha pedido nenhum contacto a Carla, nem esta lho oferecera; toda a comunicação entre ambos se fizera sempre através do telefone da empresa, que era o único contacto constante do cartão que Carla lhe dera na altura do acidente. Só agora Ricardo se estava a dar conta de que fora um erro não ter obtido um meio mais expedito de contactar Carla. Mas também, quem poderia imaginar que iria encontrar-se naquela situação?

8 comentários:

Anónimo disse...

Bem, isto está intrigante... estou a adorar! espero ansiosa pela quinta-feira. Bravo!

Maria disse...

Alex - A ver vamos o que acontece na 5ª. O suspense aumenta... ;-)

Beijinhos,

Maria

B disse...

Sim o suspense aumenta e o tempo de espera também....

Então meninos estamos todos ansiosos por ler o novo capitulo e a quinta está quase no fim....

Anónimo disse...

Mas hoje já não é sexta?
É que um tipo assim não aguenta o coração, ainda alguem de ataque cardiaco de tanto suspense.

Maria disse...

Bárbara e BACMS - Aqui fica o episódio que estava em falta. A responsabilidade do atraso é minha, e assumo-a inteiramente. Sabem que isto de estar a mudar de emprego deixa-nos com a cabeça no ar e acaba por nos fazer descurar detalhes importantes.

Que ao menos considerem que a vossa espera tenha valido a pena!

Beijinhos,

Maria

B disse...

Estás desculpada porque realmente valeu a pena! E já agora Boa Sorte no novo emprego... :)

Maria disse...

Barbara - Obrigada!!!

Beijinhos

Anónimo disse...

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