quinta-feira, 31 de maio de 2007

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- Bom dia Menina Carla! Como está? – perguntou a secretária meio atrapalhada quando viu Carla sair disparada do elevador em direcção à porta do seu gabinete.

- Bom dia. – respondeu Carla entre dentes entrando de seguida na sua sala, batendo a porta.

Que bela maneira de começar o dia. Já não bastava ter de ir para uma empresa da qual não percebia nada e ter de aprender a geri-la o mais rapidamente possível. Tinha de acontecer-lhe aquilo. Carla sentia-se furiosa e esgotada, e ainda eram só 10hs da manhã.

Tinha acabado de deixar Tomás no Colégio e dirigia-se já para a empresa, quando um carro chocou contra o seu. Nem se apercebeu da presença do outro carro até ao momento que este lhe bateu. Seria suposto o outro condutor ter parado no semáforo encarnado, mas assim não foi. E o acidente tinha acontecido. Ficara com a porta traseira do lado direito toda metida dentro. O seu primeiro pensamento foi para Tomás. Ainda bem que o acidente se deu quando o menino já estava no Colégio, se não nem queria imaginar o que poderia ter acontecido.

Apesar da irresponsabilidade de não ter parado num semáforo encarnado, o outro condutor havia sido impecável. Fizeram logo ali a declaração amigável e ele deu-lhe todos os seus dados, incluindo os números do Bilhete de Identidade e da Carta de Condução, bem como os números de telemóvel e do escritório (que confirmou no cartão que ele lhe deu). Mesmo assim, e não obstante toda a simpatia daquele condutor irresponsável, não tinha ainda conseguido recompor-se do susto e pensar com o discernimento devido. A única coisa que tinha conseguido fazer havia sido telefonar ao Pai e pedir-lhe que fosse buscar-lhe o carro para levar à oficina de um seu amigo para reparar. Entretanto teria de tratar do aluguer de um carro. Sabia perfeitamente bem que se estivesse à espera de que as Companhias de Seguros se entendessem (por mais que o outro condutor se tivesse logo dado como culpado), levaria imenso tempo a ter o carro devidamente reparado. Isto já para não falar do carro de substituição que ainda demoraria a ser-lhe disponibilizado. Mandar o carro para uma oficina e alugar outro enquanto o seu não estava pronto seria, sem dúvida alguma, a melhor solução.

Todavia o seu problema maior era a empresa. Tinha de a gerir e não fazia ideia como. Sabia que mais tarde ou mais cedo o Pai iria ajudá-la, assumindo de novo o seu cargo como Presidente do Conselho de Administração, e dando-lhe tempo para se preparar para, no futuro, assumir, então, tal posição. A morte da Mãe e dos Avós fê-la perceber que tinha ainda mais responsabilidades do que aquelas que já eram suas. Escolher o curso de Biologia tinha sido um erro, e agora percebia-o perfeitamente. Deveria ter escolhido Gestão, como o Pai sempre sugeriu. Mas o seu sonho era ser Médica, e quando Tomás nasceu teve de redefinir prioridades e objectivos. Queria ser uma Mãe presente e ser Médica iria coarctar-lhe, em muitas coisas, essa possibilidade. Era uma profissão demasiado exigente para uma Mãe tão nova. No entanto, naquele momento, percebia que a sua segunda opção deveria ter sido Gestão. Mas como não podia voltar atrás, iria terminar o curso de Biologia e iria aprender a gerir a empresa in loco. Não havia outra solução.

Respirou fundo, pediu um café e uma água à secretária e preparou-se para a sua primeira reunião como Presidente do Conselho de Administração. Pelo menos até o Pai voltar seria “forçada” a ocupar esse cargo.

A manhã passou a correr, e perto da hora de almoço recebeu uma chamada.

- Menina Carla, tenho em linha o Dr. Ricardo Oliveira Cardoso. O assunto é o acidente. Posso passar? – perguntou a secretária, já mais descontraída depois de Carla lhe ter pedido desculpa pela forma rude como havia batido com a porta do gabinete mesmo nos seus ouvidos, logo de manhã.

- Pode passar, sim. Obrigada, Amélia. – disse Carla num tom educado e cordial. Ainda não sabia muito bem como lidar com o pessoal da empresa. Afinal Amélia começara a sua carreira como secretária do Presidente do Conselho de Administração quando o seu Avô ainda ocupava o cargo, passando a ser secretária do seu Pai há cerca de 6 anos.

- Diga-me que já está recuperada do susto de hoje cedo. Não me perdoaria se ainda não se tivesse recomposto. Um rosto bonito como o seu merece ostentar sempre um sorriso! – disse Ricardo assim que Carla atendeu a chamada.

“Mau”, pensou Carla, “querem ver que além de desastrado e distraído a conduzir, este também tem a mania que é engatatão? Vamos lá ver como isto corre. Era só o que me faltava!”

- Fique descansado que o susto já passou, sim. Mas deixe-me que lhe diga que é muito distraído a conduzir, porque não reparar que a luz do sinal está encarnada é distracção a mais. – disse Carla, pensando simultaneamente que “ou estão é mesmo daltónico e ainda não percebeu”.

- Tem toda a razão. Vinha mesmo distraído e já um pouco arreliado. Mas valeu-me, ao menos, ter tido um acidente com uma mulher bonita. – retorquiu Ricardo, não querendo deixar de lançar, mais uma vez, o seu charme natural a Carla.

- Estou a ver que gosta de galantear as mulheres. Uma coisa é certa, e fiquei completamente convencida disso depois do nosso acidente: conduzir no Porto é muito pior do que em Lisboa. Foi o meu primeiro acidente em 5 anos de carta, durante os quais conduzi sempre na cidade de Lisboa, e a larga maioria das vezes em horas de ponta. – o tom de voz de Carla era agora um misto de irritado com jocoso. “Este tipo tem mesmo a mania que é um Don Juan”, pensou.

- Não queria, de modo algum, ofendê-la com os meus galanteios. Mas a verdade é que de facto acho que é uma mulher muito bonita e queria convidá-la para jantar e, discutirmos, obviamente, os custos que terá até que as nossas Companhias de Seguro resolvam a questão. O que me diz hoje às 21hs no Cafeína? Eu trato das reservas.

“Desta é que é que ela não estava à espera”, pensou Ricardo.

- Se reformular o convite para sexta-feira, pode ser que eu aceite. Antes disso será completamente impossível.

- Que seja sexta-feira, então. Por mim está tudo bem. Então ficamos combinados para as 21hs no Cafeína?

- Combinado. Tenho o seu número. Se houver qualquer alteração ligo e aviso-o. Tenha uma boa semana, Dr...

- Ricardo, por favor. Esses formalismos não são necessários, não acha Carla?

- Até sexta! – disse Carla desligando o telefone.

Aquele tipo tinha uma lábia descomunal. Mas a verdade é que aqueles elogios tinham feito muito bem ao ego de Carla. Desde que Tomás nascera que fazia jus ao epíteto que lhe havia sido atribuído nos tempos do secundário e que se comportava como uma autêntica “Freira”. No entanto deu consigo a pensar que aquele nome não lhe era completamente desconhecido. “Ricardo Oliveira Cardoso... Podia jurar que já ouvi este nome antes”, pensou Carla, mas como não conseguia recordar-se de onde reconhecia o nome, simplesmente, atirou-o para um qualquer canto esquecido da sua memória. Sexta-feira voltaria a pensar nele. Ainda era só segunda-feira, e parecia que a semana estava quase a chegar ao fim, tal era o cansaço que Carla sentia.

6 comentários:

Anónimo disse...

Tenho de dar os parabéns aos dois, desde que o Gu me mandou o link que tenho ficado agarrado a história. Cada novo post deixa-nos sempre com um gostinho na boca de quero mais, e agarrados ao calendário a espera da próxima semana. Muitos parabéns mais uma vez

k8tye disse...

ahahaah... Ricardo, amigo do Miguel, certo? Excelente. Estas coisas que insistimos em chamar "coicidencias", são qualquer coisa...
Na minha opinião nao existem coicidencias, estas coisas acontecem para nos fazer ver outras que nem sempre queremos ou conseguimos ver... Tudo tem uma "razao de ser" mais cedo ou mais tarde acabamos por saber... Vamos ver qual sera nesta historia :P

Ah e adorei o nome do menino. É o do meu afilhado e sempre que o leio n consigo deixar de sorrir ;)

beijinhos para os 2

nokturnna disse...

Estou ansiosa por continuar a ler cada palavra, cada frase, cada pedaço de vida que vocês nos vão mostrando. Força! Estou louca para saber quem é este Ricardo... Que engatatão mais delicioso. eheheh

Maria disse...

BACMS - Muito obrigada pelos Parabéns! Ainda não sabemos bem como a história vai continuar, mas espero que consiga continuar a prender-te como até então!

Beijinhos,

Maria

Maria disse...

K8tye - Nada acontece por acaso... ;-)

E mais não digo...

Beijinhos,

Maria

Maria disse...

Sonhadora - Tu estás ansiosa por ler e nós estamos ansiosos por escrever... Esta está a ser uma aventura muito boa e engraçada!

Beijinhos,

Maria