terça-feira, 29 de maio de 2007

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Enquanto Carla mergulhava nestes pensamentos, Miguel saía do bar em passo rápido e de ar carrancudo. Nunca esperara aquilo do seu melhor amigo!

Ricardo, confidente de Miguel desde que ambos se conheceram no Colégio, há dez anos atrás, fora logo o primeiro a falar, mal Carla se afastara:

- Mas vamos lá a saber quem é aquela deusa que estava aqui a falar contigo antes de nós chegarmos? Ficas sempre com o bom material para ti e não apresentas aos amigos! - lamentou-se no meio da galhofa.

Se soubesse como as coisas iam correr a seguir, Miguel teria evitado o assunto, mas, como não sabia, limitara-se a rir e a afagar a sua cabeleira loira antes de responder, bem-disposto:

- É uma história do arco da velha; nem sei se vos diga, se vos conte.

- Oh pá, já sabes que nós adoramos uma boa história, e quanto mais picante melhor! - retorquira Ricardo.

- Então lá vai. Esta rapariga andou comigo uns dois ou três anos no Colégio, para aí entre o nono e o décimo primeiro. Tu de certeza que te lembras dela, apesar de não seres da nossa turma - acrescentara, virando-se para Ricardo. - O pessoal chamava-lhe "a Freira", lembras-te?

- O quê!? Esta era a Freira!? Eu não a vi bem, porque ela levantou-se logo e nem deu cavaco, mas é impossível que esta fosse a Freira. Basta ver-se que a Freira nunca poria os pés neste antro de perdição! - Ricardo revelara-se mais incrédulo do que Miguel, se tal era possível.

Perante o ar confuso dalguns dos presentes, que não tinham andado no Colégio e não estavam a perceber nada da conversa que se ia desenrolando entre Ricardo e Miguel, este achara por bem esclarecer:

- O pessoal chamava-lhe "a Freira" porque ela, além de ser feia como a noite, tinha mesmo pinta disso. Era a forma como se vestia, como caminhava, eu sei lá! Era uma personagem daquelas que uma pessoa pensa que só há nos livros... Depois saiu e ninguém soube mais dela (nem procurou saber, a bem dizer). Hoje estava eu aqui à vossa espera e vem ela falar comigo. Eu nem a reconheci. E, por falar nisso, deixaram-me para aqui plantado, não foi?

- Desculpa, meu caro. Eu ainda tentei avisar-te, mas não atendeste o telemóvel. O pessoal resolveu encontrar-se no café do Mauro antes de vir para aqui, para vermos o jogo. Lá ganhámos... Mas conta mais coisas. Então ela viu-te aqui e não só ainda se lembrava de ti como veio meter conversa? Cheira-me que estamos perante um caso de amor, e já não é de hoje. Que é que vocês acham, rapazes?

Risadas de assentimento.

- Amor!? Ela odiava-me porque eu era melhor aluno do que ela e porque fui eu quem lhe pôs a alcunha! A miúda simplesmente não podia ver-me à frente! É agora amor...

- Confirma-se! O amor não correspondido degenera frequentemente em ódio.

- Oh Ricardo, pára lá de brincar com coisas sérias, está bem? A miúda foi minha colega de turma no Colégio durante um par de anos, hoje viu-me aqui sozinho, reconheceu-me e veio ter comigo, falou um bocadinho, foi embora e pronto. Se te tivesse visto a ti e se lembrasse de que eras da outra turma, também tinha vindo falar contigo. É sempre bom reencontrar conhecidos.

- Eu é que digo oh Miguel! Não me digas que nem ficaste com o número dela!?

- Para quê?

- Para quê!? Esqueceste a regra fundamental!? Sempre ficar com o número duma brasa; nunca sabes quando vais precisar dele! Vá lá, ela ainda está ali a pagar para sair. Chama-a outra vez e pede-lhe o número!

- Pedir-lhe o número para quê? Já me chega a Margarida, não?

- A Margarida... Quando é que metes na tua cabeça que essa história acabou? Mas olha, se não queres para ti, pede para nós! Aquilo não é material de se deixar passar assim sem tomar uma atitude!

- Oh Ricardo, mas tu estás-te a passar!? Eu nunca falei com a miúda enquanto andámos juntos no Colégio, vou lá agora dar uma de garanhão para cima dela! E tu também devias ter vergonha. Na altura era a Freira e rias-te dela nas costas; agora, só porque ganhou um corpinho jeitoso já estás para aí a babar!?

Mas de nada valera a sua indignação. Com um "se não pedes tu, peço eu", Ricardo rabiscara um guardanapo, chamara o empregado e segredara-lhe qualquer coisa. Depois de este se afastar o suficiente, Ricardo virara-se para Miguel e dissera-lhe:

- Parabéns, acabaste de convidar a tua amiga boazona para um café. A ver vamos se ela não te telefona.

Miguel ficara boquiaberto com a atitude de Ricardo; nunca esperara isso do seu melhor amigo. Quando tentara chamar o empregado de volta, tudo o que vira fora ele a entregar o bilhete a Carla, já à porta do bar. Tarde demais.

- Mas ouve lá, tu estás mesmo a passar-te, não? Agora o que é que eu faço?

- Esperas o telefonema dela e vais sair com ela. Se não quiseres, vou eu no teu lugar.

- Oh Ricardo, deixa de ser infantil, sim? As coisas não funcionam assim! Olha, eu vou-me mas é embora, que já me estragaste a noite!

- Miguel, espera!

De nada valera. Depois de pagar, Miguel saiu do bar em passo rápido e de ar carrancudo. Nunca esperara aquilo do seu melhor amigo!

"E agora o que é que eu faço da minha vida?", pensava enquanto caminhava para o carro." Pode ser que ela não telefone. Sim, ela odeia-me; não vai telefonar, de certeza. Deve é estar indignadíssima com a minha lata, e eu sem culpa nenhuma. Mas o Ricardo paga-mas, ai paga, paga!"

Deitou uma mirada rápida ao espelho retrovisor, afagou o cabelo e arrancou, derrapando na gravilha do parque de estacionamento.

Tomás suspirou mais profundamente debaixo dos lençóis.

6 comentários:

k8tye disse...

Gostei do final... Miguel e tomas, continuo a achar que tenho razao.

e ela devia ligar. Eheheh
Se bem que é complicado...

Ja conhecia a escrita da Maria, e gosto mt, mas tenho que te felicitar GMSMC, adorei ler os teus textos tbm.

Parabens aos 2
Continuem que estou empolgada c este "livro" online :P

beijinhos*******

B disse...

Como estava à espera continua fantástica!

Maria disse...

K8tye - Talvez sim, talvez não. Nada é tão simples como parece... E esta história ainda tem muitas linhas por escrever...

Quanto ao facto de ela ligar, ou não, ainda não está "decidido". Será como a história acontecer. O interessante de escrever a quatro mãos é isto mesmo, estar sempre na espectativa do que o outro irá escrever!

Ainda bem que estás a goatar!

Beijinhos,

Maria

Maria disse...

Bárbara - Obrigada!

Beijinhos,

Maria

eduardo disse...

Parabéns aos escritores. começo a ser um leitor entusiasta

Maria disse...

Eduardo - Muito obrigada pelos Parabéns! Espero que o entusiasmo continue!

Beijinhos,

Maria