quinta-feira, 24 de maio de 2007

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Ainda não conseguia acreditar na coragem que havia tido. Passados sete anos tinha reencontrado Miguel, o rapaz convencido e irritante que, durante o secundário, lhe havia dado a alcunha de “a Freira”; a pessoa que havia mudado a sua vida para sempre. Carla tinha plena consciência de que na altura do secundário era um verdadeiro patinho feio. Mas o tempo tinha passado, e Carla era agora uma mulher deslumbrante e desejável. No entanto, e mesmo com toda a sua auto-estima fortalecida, Carla nunca imaginara ter coragem de abordar Miguel daquela forma. Ainda para mais no meio de um bar com tanta gente a olhar.

Fora salva pela chegada dos amigos de Miguel, e agora, no caminho de casa, recordava o último momento daquela noite, no bar. Parecia uma cena saída de um filme. Receber aquele bilhete das mãos do Barman tinha tido nela o efeito de um choque eléctrico. Um número de telemóvel, um nome, e um “Liga-me para tomarmos um café. Quero saber mais de ti! Um beijo, Miguel”. Estava tentada, mas não sabia se devia. Adorava um bom flirt, e a maneira como Miguel havia olhado para ela deixava transparecer um interesse que ia além da simples curiosidade sobre o passado. Mas não poderia flirtar com Miguel. Havia algo muito mais importante em jogo. E jamais poderia esquecer-se disso. Guardou o bilhete num compartimento da carteira, disposta a não pensar nele durante uns dias. Depois logo se resolveria.

Chegou a casa e abriu a porta devagarinho, para não fazer barulho nem acordar Tomás. Pensou nele e dirigiu-se ao quarto para ver se já dormia. Parecia um anjinho. O cabelo loiro e encaracolado, a pele branca, os olhos verdes, o mesmo sorriso, a mesma lábia e o mesmo jeito com as mulheres que o Pai. Já tinha 6 anos, e estava tão bonito. Tinha de ter muito cuidado.

Recordou, mais uma vez, o encontro com Miguel. Recuou no tempo e voltou ao décimo primeiro ano, àquela festa de Carnaval que mudara a sua vida para sempre. Apenas uma noite chegou para destruir o sonho da sua vida e dar-lhe o maior tesouro de todos. Aquela era a primeira festa do Colégio que seria organizada fora das suas “muralhas”, como gostavam de dizer. O Director tinha acedido ao pedido de fazer a festa numa discoteca da moda, na altura, e entre os alunos a expectativa era grande. A última coisa que se lembra, daquela noite, foi de ouvi-lo chamá-la – “Carla”. Era a primeira vez que ele o pronunciava. Sempre havia alimentado um amor platónico por ele, mas nunca imaginara que um dia ele olharia para ela daquela forma. Foi ter com ele e saíram do meio da confusão. Os momentos que se seguiram foram mágicos, e jamais os esqueceria. Mas o dia seguinte havia sido terrível. Ele não se lembrava de nada do que tinha acontecido, e Carla sentiu-se sozinha e desamparada. No entanto, o pior, viria a acontecer um mês e meio depois. Estava grávida, e não podia contar-lhe porque ele não iria acreditar. Teve o apoio inesperado e surpreendente dos Pais. Saiu imediatamente do Colégio, a meio do ano lectivo, e foi viver para casa de uma Tia em Lisboa. Tinha de sair dali o mais rapidamente possível. Dissera aos Pais que não se lembrava do que havia acontecido, e que não sabia quem era o Pai do bebé. Nunca lhe havia custado tanto mentir aos Pais, mas era a única solução que tinha. Apesar de tudo apoiaram-na ao máximo e quando Tomás nasceu transformou-se no menino dos olhos dos Avós. Com a gravidez e o nascimento do filho tinha abandonado o colégio a meio do décimo primeiro ano, e durante um ano e meio ficara longe dos estudos. Quando voltou a estudar já não se sentia com força para dar o tudo por tudo para entrar em Medicina. Acabara por optar por Biologia, e, naquele momento, estava a pouco mais de um ano de terminar o curso. No entanto, a morte repentina dos Avós Maternos e da Mãe, há três meses, num acidente de viação haviam feito com que Carla tivesse necessidade de deixar para trás a vida em Lisboa, a faculdade, os amigos, e regressar ao Porto para assumir os negócios da Família. A sua Mãe era filha única, assim como Carla, e o seu Pai não se sentia capaz de gerir o património depois da perda brutal e violenta da mulher que amara a vida inteira. Sabia que aquela era uma situação transitória e que, dentro de pouco tempo, se tudo corresse pelo melhor, o Pai iria reassumir as suas funções. Todavia, e naquele momento, cabia-lhe a ela a árdua tarefa de gerir o património da Família. Estava a tentar conseguir transferência da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Foi trazida de novo à realidade quando Tomás se remexeu na cama e ficou destapado. Tapou-o e deu-lhe um beijo doce e meigo na testa. Aquele sim era o único e verdadeiro amor da sua vida. Tinha tido alguns namoricos, mas nada de relevante. Nunca tinha apresentado o filho a nenhum namorado. Não queria expô-lo a uma eventual perda. Mas o encontro com Miguel tinha provocado em si um turbilhão de sentimentos contraditórios. E a forma como ele a olhara fizera lembrar aquela noite.

Não queria, nem ia permitir, que Miguel voltasse a virar o seu mundo do avesso. Desta vez não!

6 comentários:

nokturnna disse...

Estou louca para continuar a ler a vossa história... Força nisso, meninos! Têm leitora. Eu própria já imagino dezenas de pormenores, de desfechos, de sentimentos... eheheh Acreditem que até já consigo desenhar o rosto do Miguel. Beijos!

Maria disse...

Sonhadora - Esta é uma estória inimaginada. Os seus contornos vão-se desenhando à medida que cada um de nós escreve. Espero que continues a gostar!

Beijinhos,

Maria

B disse...

História fantástica estou ansiosa pelos próximos episodios. Gu ainda bem que encontraste quem alinhasse contigo nesta "maluquice", Maria os meus Parabéns pela maginifica escrita.
Que tal começarem a pensar a sério na ideia do livro?

Anónimo disse...

cada vez melhor. Gosto da maneira como agarram nas ideias de um e lhes vao dando seguimento... Belo trabalho de equipa...
Ja começo a pensar que o pai do tomás é o miguel... mas vamos la ver, eu gosto de twists...surpreendam-me!

****

Maria disse...

Bárbara - Muito obrigada por gostares do que escrevo. Alinhei logo nesta aventura com o Gu porque achei que vali a pena e que podia ser muito engraçado. A ver vamos o que vai sair daqui... Espero ser capaz de continuar a prender a atenção dos que por aqui passam para ler como até agora!

Quanto a um livro... Quem sabe, um dia... ;-)

Beijinhos,

Maria

Maria disse...

K8tye - A ideia foi mesmo essa: escrevermos "ao sabor do vento" pegando nas ideias um do outro, e ver no que resultava. Até agora não está mau, mas ainda estamos muito no início. Ainda bem que gostaste!

Beijinhos,

Maria