terça-feira, 7 de agosto de 2007

23

Depois da conversa com Margarida, Ricardo sentia-se vazio de tudo o que poderia, eventualmente, sentir. Já tinha passado a conversa em revista vezes sem conta. Não havia conseguido concentrar-se durante toda a manhã, por causa do que tinha ouvido.

Antes das 8hs Margarida tocara à campainha de sua casa. Depois de a fazer entrar, sentaram-se os dois na sala, e ela começou a falar. Disse-lhe que estava arrependida e que a conversa que haviam tido a tinha feito perceber que amava Miguel. Contou-lhe, também, que havia sido esse o motivo da sua visita a Miguel no Hospital, mas que Miguel lhe havia fechado a porta da sua vida na cara, mandando-a embora, sem dó nem piedade. No fim as palavras haviam ficado embargadas e as lágrimas caiam rebeldemente pelo seu rosto.

Nunca imaginara que seria aquilo que Margarida teria para lhe dizer. Tinha percebido nas suas palavras, mais ainda nos seus silêncios, que Margarida amava Miguel de verdade. Mas, e se bem conhecia o amigo, se ele tinha colocado um ponto final naquela história pedindo-lhe que saísse da sua vida, já não havia retorno possível. Podia ser muito difícil para Miguel tomar decisões e desatar laços, mas sabia que quando o fazia era baseado em decisões sólidas e definitivas. Tinha ficado com pena de Margarida, porque havia percebido que ela amava Miguel. Queria poder ajudá-la. Mas sabia que tudo o que fizesse seria inútil. Quando Miguel tomava uma decisão, nada o fazia mudar de ideias. E duvidava que Margarida conseguisse.

“-Espera que ele saia do Hospital, que esteja completamente recuperado, e volta a tentar. É o único conselho que posso dar-te, Margarida!” – dissera-lhe Ricardo, numa tentativa vã de lhe dar alguma esperança. Esperança esta que sabia ser inútil e falsa. Mas era a única coisa que podia fazer.

Precisava de ver Miguel. Só que teria de esperar até à hora da visita. Não queria contar ao amigo a conversa que havia tido com Margarida. Iria ouvi-lo e, mediante o que ele lhe dissesse, logo decidiria o que fazer com as revelações de Margarida.

Perdido nestes pensamento, Ricardo nem deu pelo toque inicial do telemóvel. Ao ver o nome de Carla a piscar no visor, sentir uma calma súbita.

- Olá Carla! Ainda bem que ligou. Estava a precisar de um pouco de ânimo, e falar consigo é sempre uma coisa boa! – disse Ricardo, tentando ser galanteador.

- Olá Ricardo! Estou a ligar-lhe para lhe agradecer! Ontem fiquei desorientada com a febre do Tomás. Se não fosse o seu primo, eu teria ficado ainda mais nervosa, porque hoje de manhã, quando telefonei para o Pediatra do Tomás descobri que ele está fora do país até ao final da semana.

- Não tem de agradecer. Voltaria a fazer tudo outra vez. Apesar de ter tomado o rumo que tomou, a nossa noite deixou-me com vontade de passar mais tempo consigo. Mas diga-me, como está o Tomás?

- Está melhor, obrigada!... Ricardo, ontem, antes de se ir embora... Queria agradecer-lhe pelo que não aconteceu... Eu estava frágil demais... – disse-lhe Carla, num tom envergonhado.

- Não agradeça... Só eu sei como tive de me controlar. Não vou mentir-lhe, a vontade de pousar os meus lábios nos seus era muito forte, mas jamais me aproveitaria das circunstâncias.

- Obrigada de qualquer maneira.

- Vá, se volta a agradecer zango-me consigo.

- Queria retribuir-lhe a sua disponibilidade de ontem com um convite para jantar cá em casa. O Tomás perguntou-me quando é que eu convidava o Sr. da cara simpática para vir jantar connosco. Mas disse que tinha de ser no dia em que ele vai mais tarde para a cama, por isso o convite é para sexta ou sábado. Deixo-o escolher.

- Por mim, pode ser na sexta. Mas... Isso quer dizer que só volto a vê-la na sexta??? – perguntou Ricardo, já num tom mais descontraído e brincalhão.

- Sim, voltamos a ver-nos na sexta. Vou dedicar o resto da semana a mimar o meu Menino, que ainda não está recuperado.

- É justo! Então ficamos combinados para sexta. Às 20hs em sua casa?

- Sim, às 20hs em minha casa. Até lá!

- Combinado, então. Lá estarei. E, Carla... Adorei aquele abraço...

- Até sexta, Ricardo!

Depois de Carla desligar o telefone, Ricardo voltou a pensar em Tomás. Aquele menino parecia-lhe familiar, só não sabia nem como nem porquê. Mas haveria de descobrir.

Quando se deu conta das horas, percebeu que eram horas de ir almoçar. Quando regressasse do almoço, ainda tinha umas chamadas aborrecidas para fazer e, depois, iria visitar Miguel ao Hospital. Sentiu um arrepio só de pensar na conversa com o amigo. E, pela primeira vez, Ricardo teve receio de não saber o que dizer a Miguel.

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